São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 2008

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Vale quanto pesa

Moacyr Luz transforma talento para boemia e baixa gastronomia em livro e visita, a convite da Folha, alguns bares cariocas citados em "Botequim de Bêbado Tem Dono"

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Antes de chegarmos ao Lord Bar, o cantor e compositor Moacyr Luz avisa: "Lá só tem banheiro para homem. Mas tem que ser muito homem". Já no balcão -não há mesas, naturalmente-, o compositor observa com atenção o farto naco de carne seca servido em meio a feijão, arroz, farofa e à própria gordura da carne. "Onde você vai encontrar um pedaço desse de carne seca? Que pedaço lindo!", emociona-se. Parceiro de Aldir Blanc, Martinho da Vila e outras feras, Moacyr está transformando seu talento para boemia e baixa gastronomia numa segunda atividade. Três anos depois do "Manual de Sobrevivência nos Butiquins Mais Vagabundos", ele lança o livro "Botequim de Bêbado Tem Dono", conjunto de histórias bem e mal passadas em bares do Rio. São crônicas, e não uma obra de "botequineur" (gente que faz sumas teológicas sobre o tamanho da espuma do chope) ou um guia de serviço. Quem quiser buscar a melhor dobradinha, o melhor mocotó e outras singelezas, terá que correr atrás -embora o verbo não se aplique a esse tipo de atleta. É preciso ser um expedicionário como Moacyr para encontrar, numa galeria do centro do Rio, o Lord Bar, cujo nome aristocrático só se adequa ao ambiente se levado em conta o monopólio do gênero masculino. Numa brecha entre dois comentários picantes, o português de Trás-os-Montes Antônio Alves dos Santos, 74, conta que vende 60 kg de carne seca por dia. O prato maior, que comoveu Moacyr, tem cerca de meio quilo e custa R$ 13. O menor tem uns 300 g (R$ 10). "É preciso deixar a carne de molho por dois dias." Esta é a informação mais significativa que o repórter conseguiu extrair de seu Antônio sobre o modo de preparo da carne. É que cozinha de boteco não tem muita frescura. No Aboim, em Copacabana (zona sul), há a conhecida rabada com agrião das sextas e dos domingos. A Folha fez esforços para arrancar algo próximo de uma receita, mas não obteve nada muito além de "ah, isso aí varia". A rabada é ótima, garante Moacyr. No cardápio, outros clássicos da baixa gastronomia, como língua (terças), carne seca com abóbora (quarta) e mocotó (quintas) -além de famosos pastéis (fins de semana). Come-se, de preferência, no balcão, pois o bar tem 10 m2, o que o levou a assumir nos guardanapos seu apelido: Bar Bunda de Fora. Também é banheiro único, e sequer há telefone fixo, para poupar espaço. O paraibano Ademar Souza Farias, 43, atende no seu próprio celular, protegido por uma imagem de São Jorge colada a garrafas diversas, de caninha incendiária a uísque 15 anos. "É a essência do bar de bairro. A beleza não está nos azulejos, mas no atendimento. E a comida é muito honesta", analisa Moacyr.

Músculo e açafrão
O músico não é preconceituoso. No livro e em conversas, mostra-se capaz de tecer loas tanto ao músculo na pressão do Momo, na Tijuca (zona norte), quanto ao polvo estufado do Casual Retrô, no centro, e ao arroz de açafrão com frutos do mar do Sobrenatural, um restaurante de Santa Teresa (região central) com espírito de botequim -samba quase todo dia e idiossincrasias como uma farinha de mandioca exclusiva, trazida da Baixada Fluminense. Moacyr se dedicou tanto à pesquisa para o livro que precisou trocar o jiló com alho pelo queijo minas. Está há mais de um mês sem comer nada gorduroso nem beber. Ordem da médica. "Ela disse que nunca viu uma taxa de triglicérides tão alta", conta, levemente orgulhoso. Mas, no final do mês, ele deverá retomar seus roteiros, que podem começar com a fritada tripla (queijo, presunto e cebola) do Paladino e terminar com o cabrito do Nova Capela, ambos no centro. É um prazer que vale quanto pesa.

BOTEQUIM DE BÊBADO TEM DONO
Autor: Moacyr Luz (com ilustrações
de Chico Caruso)
Editora: Desiderata
Quanto: R$ 39,90 (112 págs.)

DE BAR EM BAR - ALGUNS CENÁRIOS DO LIVRO
ABOIM (r. Souza Lima, 16-B, Copacabana, RJ, tel. 0/xx/21/ 9818-2272)
CASUAL (r. do Rosário, 24, centro, RJ, tel. 0/ xx/21/2233-6904)
LORD (r. da Quitanda, 30, centro, RJ, tel. 0/ xx/21/2232-9223)
MOMO (r. Gal. Espírito Santo Cardoso, 50-A, Tijuca, RJ, tel. 0/ xx/21/2570-9389)
PALADINO (r. Uruguaiana, 224, centro, RJ, tel. 0/xx/21/ 2263-2094)
SOBRENATURAL (r. Almirante Alexandrino, 432, Sta. Teresa, RJ, tel. 0/xx/21/2224-1003)


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