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Comentário
Montenegro é valor absoluto do teatro
Atriz, que completa 80 anos hoje, une talento espontâneo à capacidade de vivenciar plenamente a personagem
SÁBATO MAGALDI
ESPECIAL PARA A FOLHA
O moderno teatro brasileiro
é pródigo em grandes atrizes.
Mencioná-las corre o risco de
levar a um esquecimento, por
certo imperdoável. Razão suficiente para citar apenas Fernanda Montenegro, cujo aniversário se está comemorando.
Já há muitas temporadas ela
é considerada grande atriz.
Sustenta esse conceito a soma
de numerosos atributos: a capacidade de vivenciar plenamente a personagem, o domínio dos meios para alcançar os
desejados efeitos, a inteligência
a fim de manter a adesão do público, o talento espontâneo para transmitir drama e comédia.
Mérito especial vem de que
ela não precisou cursar uma escola, a não ser a de aproveitar a
companhia da grande atriz
Henriette Morineau, outro
monstro sagrado que tanto
enobreceu o teatro brasileiro.
Certamente, Fernanda soube
inspirar-se na talentosa atriz
francesa, de técnica admirável,
que valorizava o uso da palavra.
Cabe lembrar que Fernanda,
vinda a São Paulo do Rio de Janeiro, participou do elenco do
Teatro Popular de Arte (Companhia Maria Della Costa), de
proposta semelhante à do Teatro Brasileiro de Comédia. No
palco da rua Paim, ela foi, em
1955, protagonista de "A Moratória", que lançou Jorge Andrade como um dos importantes
dramaturgos brasileiros. E, no
TBC, ela viveu a personagem
principal de "Vestir os Nus",
texto de Pirandello.
Fase brilhante da carreira de
Fernanda Montenegro foi também quando atuou no Teatro
dos Sete. O conjunto encenou
em 1959, no Municipal do Rio
de Janeiro, "O Mambembe",
obra-prima do nosso clássico
Artur Azevedo. E, no Ginástico
daquela cidade, Fernanda viveu Selminha, da peça "Beijo
no Asfalto", escrita por Nelson
Rodrigues a pedido dela. Os espectadores se impressionavam,
entre outros momentos, com o
vigor da cena em que a atriz defendia a virilidade do marido.
Fernanda Montenegro, depois de extinto o Teatro dos Sete, se fez empresária dos próprios espetáculos, realizados
por Fernando Torres.
Como era natural num sistema de produção do gênero, alternaram-se peças exigentes e
textos comerciais. O que acontecia na tradição dos palcos britânico, francês e norte-americano. A qualidade literária pouco importa: o teatro é criação
definida pela presença física do
ator, e grande ator pode realizar melhor um espetáculo com
uma obra medíocre do que um
grande texto desempenhado
por um ator fraco. Sem o sopro
de Fernanda Montenegro, várias peças pouco significariam.
Atriz exemplar de teatro,
monstro sagrado, no pleno sentido que tem a expressão, Fernanda Montenegro faz o efêmero do desempenho se igualar à perenidade de qualquer
outra arte. Fernanda Montenegro é um dos valores absolutos
do nosso palco.
SÁBATO MAGALDI é teórico, crítico e professor
de teatro; escreveu "Panorama do Teatro Brasileiro" (1962) e "Moderna Dramaturgia Brasileira" (1998), entre outros
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