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livros
O humor do Nobel
Menos de uma semana após vencer o prêmio, Mario Vargas Llosa dá palestras em SP e Porto Alegre, distribui autógrafos e faz piada ao dizer que gostaria de causar nas próximas gerações o impacto de Victor Hugo e Flaubert
SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Mario Vargas Llosa, 74,
tem vivido dias de um legítimo popstar. Entre flashes de
fotógrafos e assédio de fãs e
jornalistas, o peruano passou dias intensos no Brasil.
Há pouco mais de uma semana, o autor de "Conversa
na Catedral" foi agraciado
com um Nobel de Literatura
que havia muito ansiava,
mas que já não imaginava
mais receber.
Inquieto e ocupado como
sempre, decidiu não mudar
nada do que tinha na agenda. Na segunda, já estava de
volta às aulas que ministra
em Princeton (Nova Jersey).
Dois dias depois, começou
uma intensa maratona por
aqui. "Me perguntaram por
que eu não suspendi a viagem, mas era um compromisso marcado havia muito
tempo e eu não costumo cancelar coisas."
Em São Paulo, deu duas
palestras (uma na Folha) e
participou de um jantar. No
dia seguinte, voou para Porto
Alegre, onde concedeu uma
entrevista para 60 veículos e
fez uma conferência para mil
pessoas no ciclo Fronteiras
do Pensamento.
Em todos esses compromissos, apresentou-se galante, sorriu e distribuiu autógrafos. "Li quase todos os
seus livros", disse a fã que o
abordou já dentro da aeronave que o levou ao Sul. Vargas
Llosa agradeceu o elogio e
conversou brevemente com a
moça.
No palco do Fronteiras, foi
questionado sobre o que poderia desejar agora, depois
do prêmio máximo das letras. "Gostaria de causar em
futuras gerações o que Victor
Hugo, Faulkner ou Flaubert
causaram em mim. Ou seja,
seguirei frustrado", disse, fazendo o auditório rir e, na sequência, aplaudi-lo de pé.
Pouco antes, Vargas Llosa
conversou com a Folha sobre literatura latino-americana, o romance que está por
lançar ("O Sonho do Celta") e
a coletânea de ensaios "Sabres & Utopias", recém-editada aqui pela Objetiva.
Folha - O sr. diz que tem vontade de transformar tudo o
que acontece em sua vida em
ficção. No ensaio sobre Borges que está em "Sabres &
Utopias", analisa como o argentino baseou sua obra mais
naquilo que leu do que no
que viveu. Seria essa a principal diferença entre os trabalhos dos dois?
Mario Vargas Llosa - Para
Borges a matéria-prima sempre foi a literatura. Ele costumava dizer que lera muitas
coisas, mas que vivera poucas. No meu caso, a leitura
me apaixona, mas a matéria-prima do que escrevo são as
experiências vividas, as pessoas que conheci, as coisas
que ouvi. Minha obra está
muito mais baseada em experiências vitais.
Em outro dos ensaios, o sr. fala do impacto causado por
uma viagem que fez à região
de Alto Marañon, na Amazônia peruana, no final dos
anos 50. Esta o inspirou a escrever livros importantes, como "Pantaleão e as Visitadoras". Também está por trás
do romance que está por lançar, "O Sonho do Celta" [sobre Roger Casement (1864-1916), diplomático inglês que
atuou no Congo Belga e na
América do Sul]?
Aquela foi uma viagem
muito importante, eu tinha
21 anos, pude encontrar diferentes caras do meu país e
também voltar ao passado e
encontrar tribos que poderiam estar na Idade da Pedra.
Foi a viagem mais fértil da
minha vida. Durou poucas
semanas, mas inspirou "Pantaleão", "A Casa Verde" e me
fez carregar referências da
selva para sempre.
Também está no "Sonho
do Celta". Mas eu voltei depois à floresta várias vezes,
ela me ensina coisas importantes sobre o Peru.
Se pudesse sintetizar a ideia
que Casement teve da América Latina, como o faria?
Da América Latina, Casement conheceu apenas a barbárie, a cobiça e a crueldade.
Ele esteve na Amazônia visitando os lugares onde havia
a exploração da borracha.
Seus textos ajudaram a denunciar os horrores e injustiças terríveis que se cometiam
lá naquele tempo. Descrevem de forma muito minuciosa um mundo que fomos
escondendo, por vergonha.
No passado, o Peru teve um
grande autor na figura de José
María Arguedas ("Os Rios
Profundos", 1958). Hoje, aparecem nomes como os de Daniel Alarcón e Santiago Roncagliolo. Como o sr. se relaciona com essa tradição e esse presente da literatura peruana?
Eu venho desse passado,
inegavelmente. "Os Rios Profundos" é um livro belíssimo
e essencial para entender o
Peru. Com os autores do presente, tenho diálogo e os sigo
com muito interesse. Sinto
que há uma conexão entre as
gerações.
O Nobel se caracterizou, nos
últimos tempos, por fazer escolhas políticas, geralmente
de autores mais esquerdistas.
Muitos se surpreenderam
que dessem o prêmio ao sr.
Como vê isso?
Eu também me surpreendi
[risos]. Não exagero em dizer
que estava totalmente convencido de que nunca me dariam o prêmio. Minha surpresa foi total, mas me alegro. E,
afinal, seria de muito mau
gosto se eu me pusesse a criticar o Nobel justo agora, não
acha? [risos]
A jornalista SYLVIA COLOMBO viajou a
convite da organização do Fronteiras do
Pensamento.
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