São Paulo, sábado, 16 de outubro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

livros

CRÍTICA ROMANCE

Trama antinazista escapa de demagogia

"A Questão Humana" troca centro demoníaco dos acontecimentos por multinacional em narrativa intensa

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Adolf Hitler e o nazismo foram responsáveis, de 1933 a 1945, por crimes metódicos e brutais: racismo, eugenia, genocídio, terrorismo de Estado etc.
Outros carniceiros célebres foram Stálin, Mao e Ceausescu. Mas nenhum conseguiu atingir a dimensão mítica de Hitler e seu Estado-Maior.
Outro crime -este mais duradouro- pelo qual o Terceiro Reich deve ser responsabilizado: a enxurrada de arte e literatura kitsch de temática antinazista.
A Segunda Guerra terminou há quase sete décadas, mas os oportunistas de toda espécie continuam produzindo toneladas de filmes e romances melodramáticos e sentimentais sobre o Führer e o Holocausto.
O romance "A Questão Humana", do belga François Emmanuel, escapa por pouco da vala comum onde foram parar todos os best-sellers sensacionalistas sobre o assunto.
É um romance de denúncia, certamente. Mas o autor soube se safar das armadilhas da demagogia barata. De que modo? Evitando o centro demoníaco dos acontecimentos -os gabinetes do Reich ou os campos de extermínio de judeus- e trabalhando na periferia: a filial francesa de uma multinacional alemã.
São cerca de 80 páginas de uma trama simples, ambientada numa cidade hulheira no nordeste da França, em 19... (assim mesmo, com reticências).
Quem narra a história é o psicólogo do departamento de recursos humanos da empresa alemã SC Farb.

PSICOSE
Um dos diretores da empresa, Karl, pede a Simon, o psicólogo, que investigue outro diretor, Mathias, cuja sanidade mental parece estar se esfacelando.
Quando Simon toma posse de documentos comprometedores e passa a receber misteriosas cartas anônimas, a apuração dos fatos sai rapidamente de controle.
A narrativa é um arremedo de relatório em que ação e digressão alternam-se de modo equilibrado.
Os capítulos são curtos e certo suspense sem malícia mantém a intensidade até o fim do livro.
A trama também traz pequenas surpresas laterais como, por exemplo, a insinuação de que o satirista austríaco Karl Kraus teria colaborado indiretamente na educação retórica do jovem Hitler.
Assistindo às palestras inflamadas de Kraus, o futuro Führer teria aprendido como seduzir pela eloquência. Ótima anedota.
O romance é de 2000. Sete anos depois o diretor Nicolas Klotz e a roteirista Elisabeth Perceval adaptaram-no para as telas de cinema. O filme foi estrelado pelo ator francês Mathieu Amalric, no papel do psicólogo Simon.
A dupla respeitou o temperamento do livro, mas sem se deixar limitar por ele. O filme é mais erotizado e explícito do que o original literário.


NELSON DE OLIVEIRA é autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral)

A QUESTÃO HUMANA

AUTOR François Emmanuel
TRADUÇÃO Marina Appenzeller
EDITORA Estação Liberdade
QUANTO R$ 29,80 (88 págs.)
AVALIAÇÃO bom


Texto Anterior: Raio-X: Mario Vargas LLosa
Próximo Texto: Painel das Letras
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.