São Paulo, sexta, 16 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PRÊMIO MACHADO DE ASSIS
Uma vida dedicada à literatura

JOSUÉ MONTELLO
especial para a Folha

Entre os altos méritos do prêmio Machado de Assis, com que a Academia Brasileira de Letras, todos os anos, por sua iniciativa, premia um grande escritor pelo conjunto de sua obra, quero acentuar-lhe aqui um valor a mais e que nem sempre é lembrado.
Refiro-me ao fato de que, graças ao prêmio, alguns dos premiados têm encontrado nele o argumento para candidatar-se à casa de Machado de Assis. Foi assim com Rachel de Queiroz. Com Augusto Meyer. Com Dinah Silveira de Queiroz. Com Antonio Olinto.
Olinto, que antes do prêmio já se havia candidatado, supôs que o insucesso do pleito corresponderia a uma rejeição ao seu nome e à sua obra, quando na verdade a instituição, segundo Machado de Assis, seu primeiro presidente, não há de deixar lá fora, para as esperas perpétuas, aquele que, pelos méritos próprios e pela obra realizada, tem as credenciais necessárias para que se lhe abra a porta na oportunidade adequada.
O prêmio Machado de Assis, conferido a Olinto, correspondeu a um aceno a que ele foi sensível, tornando a candidatar-se -dessa vez, pleiteando a sucessão de Antonio Callado. A vitória tranquila ajustou-se aos seus méritos.
Olinto, romancista, crítico, professor, conferencista, diplomata, poderia ter sido dignitário da Igreja Católica. Seu caso tem analogia com o de Austregésilo de Athayde, um de seus antecessores na cadeira, que, antes de ordenar-se, concluídos seus estudos no seminário da Prainha, em Fortaleza, optou pelo laicato, para ser fiel a si mesmo, como jornalista e professor.
A nomeada de Antonio Olinto, ajustada a sucessivas molduras internacionais, em Londres, em Estocolmo, em Roma, na Nigéria, em Paris, em Nova York, com os recursos que ministrou, com as conferências e os debates em que soube ser o mestre e o debatedor, sempre contou com essa moldura internacional, sem prejuízo da obra literária que simultaneamente realizou como romancista, poeta, cronista, crítico, ensaísta, sempre como traço de união entre o seu saber e o grande público.
Se indago a mim mesmo qual o mérito dominante de Olinto como escritor, sempre oscilo entre o romancista que escreveu "A Casa da Água" e "O Trono de Vidro", com uma vivência africana que só ele, como ficcionista, sabe ter em nossa literatura, e os "Cadernos de Crítica", que ressaltam os altos méritos do ensaísta, a serviço da crítica literária, e em que ele, pelo domínio do saber especializado, concilia o louvor apropriado e a advertência merecida.
A "Porta de Livraria", que ele manteve por mais de 20 anos, como colunista e crítico de "O Globo", deu-lhe a oportunidade da militância construtiva, em que o elogio adequado serve de estímulo ao talento e à competência, sobretudo quando o escritor estendia a mão segura e generosa aos que iam chegando, nas primeiras experiências literárias.
Dizia um velho autor francês, de quem hoje ninguém mais fala e que teve seu renome, deixando-nos uma bela obra de ensaísta e crítico (refiro-me a Rémy de Gourmont), que, entre a censura e o louvor, devemos sempre orientar-nos na direção das festas de glória. Sobretudo neste momento, quando a imagem parece querer arrebatar ao livro o encanto da leitura como obra de arte.
²


Josué Montello, 80, romancista, é membro da Academia Brasileira de Letras desde 1954. Foi presidente da ABL de 1994 a 95. É autor de "Os Tambores de São Luís", entre outras obras.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.