|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PRÊMIO MACHADO DE ASSIS
Uma vida dedicada à literatura
JOSUÉ MONTELLO
especial para a Folha
Entre os altos méritos do prêmio
Machado de Assis, com que a Academia Brasileira de Letras, todos
os anos, por sua iniciativa, premia
um grande escritor pelo conjunto
de sua obra, quero acentuar-lhe
aqui um valor a mais e que nem
sempre é lembrado.
Refiro-me ao fato de que, graças
ao prêmio, alguns dos premiados
têm encontrado nele o argumento
para candidatar-se à casa de Machado de Assis. Foi assim com Rachel de Queiroz. Com Augusto
Meyer. Com Dinah Silveira de
Queiroz. Com Antonio Olinto.
Olinto, que antes do prêmio já se
havia candidatado, supôs que o insucesso do pleito corresponderia a
uma rejeição ao seu nome e à sua
obra, quando na verdade a instituição, segundo Machado de Assis,
seu primeiro presidente, não há de
deixar lá fora, para as esperas perpétuas, aquele que, pelos méritos
próprios e pela obra realizada, tem
as credenciais necessárias para que
se lhe abra a porta na oportunidade adequada.
O prêmio Machado de Assis,
conferido a Olinto, correspondeu a
um aceno a que ele foi sensível, tornando a candidatar-se -dessa
vez, pleiteando a sucessão de Antonio Callado. A vitória tranquila
ajustou-se aos seus méritos.
Olinto, romancista, crítico, professor, conferencista, diplomata,
poderia ter sido dignitário da Igreja Católica. Seu caso tem analogia
com o de Austregésilo de Athayde,
um de seus antecessores na cadeira, que, antes de ordenar-se, concluídos seus estudos no seminário
da Prainha, em Fortaleza, optou
pelo laicato, para ser fiel a si mesmo, como jornalista e professor.
A nomeada de Antonio Olinto,
ajustada a sucessivas molduras internacionais, em Londres, em Estocolmo, em Roma, na Nigéria, em
Paris, em Nova York, com os recursos que ministrou, com as conferências e os debates em que soube ser o mestre e o debatedor, sempre contou com essa moldura internacional, sem prejuízo da obra
literária que simultaneamente realizou como romancista, poeta, cronista, crítico, ensaísta, sempre como traço de união entre o seu saber e o grande público.
Se indago a mim mesmo qual o
mérito dominante de Olinto como
escritor, sempre oscilo entre o romancista que escreveu "A Casa da
Água" e "O Trono de Vidro", com
uma vivência africana que só ele,
como ficcionista, sabe ter em nossa
literatura, e os "Cadernos de Crítica", que ressaltam os altos méritos
do ensaísta, a serviço da crítica literária, e em que ele, pelo domínio
do saber especializado, concilia o
louvor apropriado e a advertência
merecida.
A "Porta de Livraria", que ele
manteve por mais de 20 anos, como colunista e crítico de "O Globo", deu-lhe a oportunidade da
militância construtiva, em que o
elogio adequado serve de estímulo
ao talento e à competência, sobretudo quando o escritor estendia a
mão segura e generosa aos que iam
chegando, nas primeiras experiências literárias.
Dizia um velho autor francês, de
quem hoje ninguém mais fala e
que teve seu renome, deixando-nos uma bela obra de ensaísta e
crítico (refiro-me a Rémy de Gourmont), que, entre a censura e o louvor, devemos sempre orientar-nos
na direção das festas de glória. Sobretudo neste momento, quando a
imagem parece querer arrebatar
ao livro o encanto da leitura como
obra de arte.
²
Josué Montello, 80, romancista, é membro da
Academia Brasileira de Letras desde 1954. Foi
presidente da ABL de 1994 a 95. É autor de "Os
Tambores de São Luís", entre outras obras.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|