São Paulo, sexta, 16 de outubro de 1998

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FESTIVAL DE BRASÍLIA
Diretor de "Porto das Caixas" e "Capitu" fala sobre seu novo longa-metragem, que será exibido hoje
Saraceni leva seu "Viajante" ao evento

JOSÉ GERALDO COUTO
enviado especial a Brasília

"O Viajante", que será exibido hoje no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, é o terceiro longa-metragem de Paulo Cezar Saraceni baseado em obra do escritor mineiro Lúcio Cardoso (1913-68).
É o fecho do que o autor chama de "trilogia da paixão", que inclui "Porto das Caixas" (1962), baseado em argumento original do escritor, e "A Casa Assassinada" (1971), adaptação do romance "Crônica da Casa Assassinada".
"O Viajante" baseia-se em romance inacabado de Lúcio Cardoso, publicado postumamente. Conta a história de um forasteiro que chega a uma pequena cidade de Minas Gerais para a festa da padroeira e provoca um terremoto nas relações humanas locais.
O filme custou R$ 3 milhões e tem no elenco Jairo Mattos, Marília Pêra, Leandra Leal, Nelson Dantas e Milton Nascimento.
Saraceni, um dos fundadores do cinema novo -ao qual deu obras fundamentais, como "Porto das Caixas" (62) e "O Desafio" (65)-, não fazia um longa de ficção desde "Natal da Portela" (88), que ainda não teve lançamento comercial.

Folha - De onde vem sua afinidade com a obra de Lúcio Cardoso?
Paulo Cezar Saraceni -
Conheci primeiro o homem, que me foi apresentado por Octavio de Faria, e depois a obra. Impressionei-me com a extraordinária energia dele. Depois li toda a sua obra e fiquei inteiramente apaixonado. Concordo com o (escritor católico) Octavio de Faria, que considerava Lúcio um romancista da estatura do Machado de Assis. Ele tinha uma prosa poética, mas muito visual. Em qualquer coisa dele que eu lia, via a possibilidade de um filme.
Folha - Que obra você quis adaptar primeiro?
Saraceni -
Primeiro, eu quis filmar a "Crônica da Casa Assassinada". Naquele tempo (1960), eu estava na Itália estudando cinema e a (escritora) Edla Van Steen pretendia produzir e atuar no filme, mas queria que eu convidasse Luchino Visconti para dirigir, tendo a mim como assistente. Não topei. Eu mesmo queria dirigir. Cheguei a procurar locações, fui conhecer a "casa assassinada", em Minas, cenário do romance e do meu filme.
Folha - Então o projeto é anterior a "Porto das Caixas"?
Saraceni -
Sim. Mas os produtores que fariam o filme eram ligados a Jânio Quadros, e o Jânio renunciou, eles ficaram sem apoio.
Um dia, passando de trem por Porto das Caixas (RJ), Lúcio começou a imaginar um filme sobre o lugar. Escreveu o argumento e me deu para filmar.
O filme teve uma repercussão enorme, e brincamos que iríamos ser a "dupla Tom Jobim-Vinícius do cinema". Imaginamos então a "trilogia da paixão", que além do "Porto" teria "A Casa Assassinada" e "O Viajante", que o Lúcio ainda estava escrevendo.
Folha - Como você compara seu filme "O Viajante" com os dois anteriores da trilogia?
Saraceni -
Ele é mais radical do que os outros, é mais onírico. Fiz uma narrativa barroca. Sabe, debrucei-me sobre o barroco mineiro, acho que é uma coisa da altura do renascimento italiano.
Então, do ponto de vista narrativo, o filme tem uma liberdade muito grande, com contrapontos de flashbacks etc.
Acho que o cinema hoje, no mundo todo, esqueceu muito a criação na linguagem. A exceção é o filme experimental, de vanguarda, mas isso fica muito restrito a um gueto, não chega ao cinema de grande público.
Eu quero fazer arte. Tentei fazer o filme mais belo possível, porque o Lúcio era acima de tudo um grande poeta.
Folha - Quais são seus próximos projetos?
Saraceni -
Tenho vários roteiros esboçados. Um deles é sobre a vida do jogador de futebol Heleno de Freitas. Outro é sobre o "eterno feminino", sobre a chegada de Nossa Senhora no céu, formando o quarteto perfeito. Chega dessa história de ter só o pai, o filho e o Espírito Santo.
Mas antes de realizar esses projetos eu preciso fazer com que meus últimos filmes -"Natal da Portela", "Bahia de Todos os Sambas" e "O Viajante"- cheguem ao público. A Lei do Audiovisual deu dinheiro para a produção, mas esqueceu da exibição. Continuamos cometendo o erro de não peitar os americanos, que dominam o mercado exibidor.



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