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TV
Autor do jingle acha que não recebeu pela execução da música porque problema não chegou aos ouvidos do apresentador
SBT recorre no caso "Silvio Santos Vem Aí"
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Corredor da rádio Nacional, rua
das Palmeiras, centro de SP, 1965.
Silvio Santos: "Messina, estou
querendo uma musiquinha para
o meu programa, alguma coisa
para anunciar a minha chegada".
Archimedes Messina: "Você já
tem alguma idéia na cabeça?".
Silvio Santos: "Acho que tem
que começar com um "lá, lá, lá",
depois você põe o que quiser.
Tem que ser simples para pegar".
A história é contada pelo compositor Archimedes Messina, 69,
autor de jingles famosos como o
do café Seleto ("Depois de um sono bom..."). O diálogo com Silvio
Santos era o começo da criação da
talvez mais famosa música da TV
brasileira e de uma disputa judicial por direitos autorais, que o
compositor acaba de vencer.
Uma semana depois da encomenda, Messina se encontrou novamente com o iniciante locutor,
que iria estrear na rádio Nacional
o "Programa Silvio Santos". E colocou a fita para o colega escutar:
"Lá, lá, lá, lá... Agora é hora / De
Alegria / Vamos sorrir e cantar /
Do mundo não se leva nada / Vamos sorrir e cantar. Lá, lá, lá, lá...
Silvio Santos vem aí...".
O resto da parte glamourosa da
história do jingle é conhecido por
qualquer brasileiro que tenha
passado perto de um aparelho de
TV pelo menos um domingo na
vida.
Após se tornar marca registrada
do programa de rádio, a música
seguiu com o apresentador para
sua estréia na TV Globo, um ano
depois. Em pouco tempo, caiu na
boca do povo, virou marchinha
de Carnaval e até hoje abre a atração do apresentador, no SBT.
Atrás dos holofotes, no entanto,
a trajetória da canção passou longe do glamour. Messina diz nunca
ter sido pago pela execução do
jingle nestes mais de 30 anos.
"Na época, Silvio pagou o equivalente a uns R$ 10 mil ao estúdio
onde eu trabalhava para ter o jingle pronto, gravado com orquestra. Dessa quantia, recebi o que
hoje seriam uns R$ 700", afirma.
Eliane Rinse Jundi, advogada de
Messina no caso, diz que o mercado paga cerca de R$ 15 mil por semestre para a execução de jingles.
"Pelos 30 anos, ele teria de receber
R$ 600 mil, fora a indenização por
danos morais", afirma.
Na segunda, o SBT foi condenado, na 18ª Vara Cível de SP, a pagar 50 salários mínimos a Messina
por danos morais e, por danos
materiais, um valor que será calculado pelo tempo de execução.
Jundi diz que irá recorrer para
que seja estipulado um valor
maior por danos morais.
No processo, o SBT alegou que
o jingle era de autoria de Heitor
Carillo, como está registrado em
um disco lançado por Silvio Santos. O próprio compositor negou
e afirmou que a música foi criada
por Messina. O encarte do LP teria sido erro da gravadora. A obra
foi registrada por Messina no Escritório Central de Arrecadação
de Direitos Autorais e na União
Brasileira de Compositores.
O SBT, por meio de sua assessoria, informou que irá recorrer da
decisão. O processo deve chegar
ao Superior Tribunal de Justiça e
pode demorar de dois a três anos.
Resolver essa questão nos tribunais não é uma idéia que agrade a
Messina. Antes de entrar na Justiça, há dois anos, ele diz ter tentado
um contato com Silvio Santos várias vezes. Ligou para o SBT, foi à
emissora. "Mas não fui recebido e
não consegui discutir o caso nem
com o departamento jurídico."
Apesar disso e de ler notícias
dos processos que o apresentador
enfrenta por plágio com "Casa
dos Artistas", "Show do Milhão" e
"Qual É a Música?", ele prefere
acreditar que seu caso ainda não
se resolveu porque não chegou
aos ouvidos de Silvio Santos.
"Tenho certeza de que, se ele
soubesse que eu não estou recendo, pagaria na hora. O problema
não é o Silvio Santos, mas são as
300 pessoas que ficam em volta
dele. Ele deve pensar que está me
pagando nestes 30 anos."
Além desse e do café Seleto,
Messina fez outros jingles conhecidos. Compôs para a Varig por
25 anos e teve mais de cem músicas gravadas, algumas por famosos como Cely Campello. Também fez sucesso como ator de novelas na rádio São Paulo, onde iniciou a carreira aos 18 anos, quando teve de escolher o trabalho em
vez da faculdade. Conseguiu uma
vida financeiramente tranquila.
Hoje aposentado, mora numa
casa com cara de praia na serra da
Cantareira, em SP, onde ainda
compõe alguns jingles. Sua mulher, Inajá, 57, ficou sabendo do
processo judicial pela reportagem
da Folha, que estragou a surpresa
que estava sendo preparada por
Messina. "É algo que nos alegra
muito. Nunca deixamos de gostar
do Silvio. Mas ouvir aquela música todos os domingos sem nenhum reconhecimento sempre
nos deixou magoados", diz Inajá.
Se vier, o dinheiro da indenização será bem-vindo, claro, mas
"não mudará nossa vida". "O importante é a alegria de ver nossos
filhos e netos bem, essa paisagem
da serra..." Afinal de contas, "do
mundo não se leva nada".
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