São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2006

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"Cinema brasileiro vive momento livre"

A professora e crítica de cinema Lúcia Nagib lança livro que analisa a retomada da produção cinematográfica nacional

Diretora de centro de cinema em Leeds elogia "Antônia" e também vai em breve publicar ensaio sobre o recente "Crime Delicado"

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

A migração de talentos brasileiros para a Europa não é exclusividade do futebol. A ensaísta Lúcia Nagib, 50, representa a diáspora acadêmica. Desde janeiro de 2005, ela é professora titular da cátedra de Cinema Mundial e diretora do Centro de Cinema Mundial da Universidade de Leeds, na Inglaterra.
Sua vaga -uma "Centenary Chair", criada em comemoração ao centenário da instituição- foi aberta em 2004, quando era professora visitante do Birkbeck College, da Universidade de Londres. "Foi um processo [de seleção] bastante democrático que contemplou, entre vários excelentes candidatos locais, alguém que era uma ilustre desconhecida para eles", diz. Nagib acredita que não voltará tão cedo ao país. Sua obra, no entanto, continua a dialogar com a produção nacional. "A Utopia no Cinema Brasileiro - Matrizes, Nostalgia, Distopias", seu mais recente livro, sai agora no Brasil e em 2007 na Inglaterra e nos EUA.
O próximo, provisoriamente intitulado "O Cinema e a Ética do Realismo", terá "ensaio de fôlego" sobre "Crime Delicado" (2005), de Beto Brant, que "escapa do realismo enquanto gênero e da representação realista, para propor um cinema como "produção" do real". A seguir, trechos da entrevista que Lúcia concedeu à Folha na última terça-feira, de Leeds.  

FOLHA - Quais as atividades do Centro de Cinema Mundial?
LÚCIA NAGIB
- Adotei como base uma definição positiva, policêntrica e democrática: cinema mundial são todas as cinematografias do mundo, inclusive a de Hollywood, que deve ser tratada como um cinema entre outros. O que importa, aqui, é estudar como diferentes cinemas se inter-relacionam e se destacam em determinado momento e lugar. Assim, Hollywood e o "cinema clássico" deixa de ser o provedor de paradigmas para a análise de qualquer outro cinema, enquanto as demais cinematografias do mundo se tornam capazes de inspirar novas teorias. O centro oferece módulos de graduação, mestrado em World Cinemas e orientação para doutorado, além de ciclos de seminários, conferências e publicações.

FOLHA - Após "Cidade de Deus" e "O Invasor", os filmes mais recentes analisados em seu livro, ambos lançados em 2002, outras produções permitiriam discutir o que você chama de "gesto utópico"?
NAGIB
- Ele está intimamente ligado a um momento histórico. A retomada do cinema e a abertura neoliberal deram uma missão urgente ao cineasta brasileiro, que era a de refletir sobre o destino do projeto nacional, tão importante no período do cinema novo. A pergunta era: "o que esperar do Brasil, no novo cenário político?". Descrevo, no meu livro, várias respostas que ocorrem em fases ordenadas de modo quase cronológica: uma euforia inicial da redescoberta do sertão, em meados dos anos 90, seguida de uma atitude realista que consiste na constatação da permanência dos problemas históricos do país, sobretudo nos filmes de favela, e afinal a distopia urbana, que vê com cinismo qualquer perspectiva de mudança. Acredito ter esgotado esse tema, mesmo porque ele deixou de ser central no cinema contemporâneo brasileiro, que se encontra num momento muito livre e diversificado.

FOLHA - Assistiu à safra mais recente?
NAGIB
- Tive a oportunidade de assistir a "Antônia" e "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias". "Antônia" me impressionou muito por abordar uma face escondida da periferia, a mulher, e a mulher artista, num universo essencialmente viril e no mais das vezes machista. É um filme gostoso de assistir, sem violência ou drogas, e nem por isso deixa de estar estreitamente ligado ao contemporâneo e, por que não, à moda.


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