São Paulo, sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

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CINEMA

Diretor neozelandês utiliza em profusão os efeitos especiais, mas constrói filme com bons roteiro e interpretações

Jackson humaniza técnica em "King Kong"

Divulgação
O gorila King Kong passeia por Nova York, em cena do novo filme de Peter Jackson


SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Há pouco mais de 700 gorilas (Gorilla gorilla) vivos na natureza hoje, a maioria nas florestas tropicais da África Equatorial. Não deixa de ser irônico que, há pelo menos seis meses, o mais falado, comentado e dissecado da espécie seja uma criação digital de oito metros que vive num estúdio digitalmente transformado na inexistente Ilha das Caveiras.
Pois hoje estréia "King Kong", a mastodôntica versão de Peter Jackson para o clássico original de 1933, com três horas de duração, US$ 207 milhões de orçamento e em 10 mil telas espalhadas pelo mundo.
Os números superlativos do arrasa-quarteirão e suas proezas tecnológicas, no entanto, não deixam a trama e a diversão em segundo plano, como só acontece quando Hollywood empenha tanto tempo e dinheiro em um filme dessas proporções.
O diretor neozelandês aprendeu o segredo quando deixou de ser uma celebridade média da Oceania e pulou para o primeiro time da indústria mundial cinematográfica ao realizar a trilogia de "O Senhor dos Anéis", que rendeu 17 Oscars e US$ 3 bilhões: é a tecnologia digital, estúpido. "Aprendi isso com George Lucas e seus "Guerra nas Estrelas'", disse. "Atualmente, se você quer controlar seu filme, controle a tecnologia que o tornará possível."
O diretor grisalho foi o pioneiro do cinema moderno a fazer isso. Suas empresas de efeitos digitais na Califórnia deram salto tecnológico atrás de salto tecnológico a cada filme da cinessérie, a ponto de hoje dividirem seu faturamento quase meio a meio com produtos e subprodutos criados por Lucas e prestação de serviços a terceiros. Outro que descobriu o filão e realiza seus próprio efeitos é Robert Rodriguez, de "Sin City" e "Spy Kids", que faz tudo a partir de um computador e um celeiro no Texas.
"Resolvi ir pelo mesmo caminho", disse Jackson. Não sem um custo. Para colocar nas telas o que havia imaginado desde os nove anos, quando assistiu pela primeira vez o original numa sessão coruja da TV neozelandesa -e para não parecer "brega", como disse à Folha, como a versão de Dino de Laurentiis, de 1976, que "atualiza" a história de Kong-, o diretor teve de colocar do bolso os US$ 35 milhões que faltavam em efeitos especiais, pois a Universal se recusava em estourar o orçamento de US$ 170 milhões.
O dinheiro foi gasto por sua Weta Digital, localizada em Wellington, na Nova Zelândia, e comandada por Joe Letteri.
"Apesar de todo o aparato que você vê, somos fiéis aos efeitos especiais do original de 1933 em muitos aspectos", disse.
Assim, a empresa usa arcaicos cenários e miniaturas em papel machê e, em vez dos vidros pintados com paisagens e sobrepostos do de 1933, diante dos quais os atores interpretavam, entram os cromaquis, aos quais depois o designer aplicará o que foi imaginado por Jackson. "No fundo, é a mesma coisa."
Deu certo. Pelo menos se o critério forem as críticas, posto que os primeiros números de bilheteria só começarão a sair ao longo do dia de hoje.
O mais provável é que, mundialmente, o filme pelo menos se pague até lá. Há um outro segredo, porém, que também pode ser resumido em outra frase roubada do marketing político norte-americano: é o aspecto humano da tecnologia, estúpido.
Com todos os efeitos digitais do mundo, mas uma história confusa e sem graça e atores dirigidos mecanicamente, você tem a nova trilogia de "Guerra nas Estrelas". Peter Jackson a assistiu vezes suficientes para saber disso. Também vinha de "O Senhor dos Anéis", que conseguiu equilibrar "máquina" e "homem". Entra em cena um parceiro seu de outros carnavais, que também é responsável por um grande momento da trilogia baseada nos livros de J.R.R. Tolkien: Andy Serkis.
Ali, ele "interpretava" um dos personagens mais interessantes, Gollum -quer dizer, atuava ligado a eletrodos e fios, que captavam seus movimentos, intensidade e emoção para que que depois os nerds da computação gráfica trabalhassem em cima.
O fato de Serkis ser um ator britânico e de formação shakespeariana fez toda a diferença. Faz de novo agora. Antes de ser "captado" pelos fios para dar vida a Kong, ele passou semanas em Ruanda, na África, estudando gorilas de verdade e freqüentou por um mês o Zoológico de Londres. "Voltei ao set de filmagem um verdadeiro macaco", lembra-se ele, que também interpreta o cozinheiro.

Mocinha
Você já tem o gorilão humanizado, os efeitos especiais, um bom roteiro, um ótimo elenco de apoio: falta a mocinha. De preferência loira: a britânica-australiana Naomi Watts, mais conhecida do grande público pela cinessérie de terror "O Chamado", baseada na nova onda japonesa do gênero. Ela interpreta a atriz Ann Darrow, que embarca na aventura de uma equipe de filmagem comandada por um produtor pouco ético (Jack Black) e um roteirista idealista (Adrien Brody).
"Foi um alívio saber que não teria de contracenar com o nada", disse ela à Folha. "Eu conseguia olhar para o Andy e realmente ver ali um gorila." Pausa. "No bom sentido, claro. Porque, se você pensar bem, Kong é um homem levado às últimas conseqüências (risos)."
A conjunção harmoniosa do tripé tecnologia-roteiro-interpretação está mais bem representada na cena em que Kong, ainda na Ilha das Caveiras, defende sua amada em luta com dinossauros que evolve para um cipoal trançado sobre um abismo. É a melhor cena de "King Kong" e é puro Peter Jackson. "Só quero entreter as pessoas", disse ele.
Tamanho altruísmo, acredite, não será abalado se o diretor ganhar algumas dezenas de milhões de dólares no meio do caminho.


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