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Crítica/coletânea
Bastidores do poder são ponto alto de crônicas de José Sarney
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Com o dia-a-dia certamente atribulado de
um político de alto coturno, o senador José Sarney
não deixa de abrir espaço na
agenda para a atividade de que
confessadamente mais gosta:
escrever. Problemas de saúde,
viagens internacionais, crises
públicas, até mesmo a morte da
mãe, nada é desculpa para não
escrever. Ao contrário, tudo é
tema para a crônica que ele publica às sextas-feiras na página
2 da Folha.
"Semana Sim, Outra Também" é uma reunião dos textos
escritos em quase quatro anos,
entre meados de 2002 e o final
de 2005. É um período rico em
acontecimentos que, a começar por uma eleição presidencial, convidam à reflexão. Sarney não foge da raia, mas é claro que a perspectiva do cronista não poderia ser diferente da
do homem público. Assim, não
surpreende que desaprove Fernando Henrique Cardoso e
louve Lula.
O tucano é alvo favorito. A
declaração de FHC de que o
Brasil iria "virar uma Argentina" em caso da vitória de Lula
em 2002 é glosada em pelo menos três crônicas.
Quanto a Lula, sai engrandecido, às vezes à custa da coerência. Ao elogiar sua biografia,
"um patrimônio do país", Sarney a relaciona à "igualdade de
oportunidades", em que ele
próprio, pelo que se depreende
de textos em que aponta mazelas sociais, parece não acreditar
com convicção.
De um modo geral, Lula é
tratado com carinho, com direito até a metáforas hiperbólicas. Quando chorou ao ser diplomado presidente, foi brindado com estas palavras: "Suas
lágrimas vêm do sofrido povo
nordestino, [...] cuja dor começa naquilo que lhe é negado pela lágrima dos céus: a chuva".
Humor
Sarney aprecia associações
inusitadas. Com o humor dos
hipocondríacos assumidos, o
cronista, às voltas com um cálculo renal, como que levado ao
delírio pela dor, junta todas as
pedras que lhe vêm à mente,
daquela que Deus teria usado
para criar o mundo à que estava
no meio do caminho do poeta
Drummond, passando pelas
pedras do ministério, que Lula
sofreria para mexer.
Um ponto alto do livro são os
bastidores do poder. Algumas
reminiscências estão incorporadas à história, como a incerteza institucional que antecedeu sua posse como presidente
em 1985, durante a doença de
Tancredo Neves. Outras contribuem para o anedotário contemporâneo, como a viagem no
Aerolula para o funeral do papa
João Paulo 2º, com a presença
de FHC e Itamar Franco. Na
chegada, sua mulher quer saber
da conversa no avião. "Não teve", ele responde. "Como? Com
tanta gente inteligente!." "Justamente por isso. Todos jogaram na retranca."
"Semana Sim, Outra Também" talvez tivesse se beneficiado de uma seleção que eliminasse os textos mais circunstanciais. De qualquer maneira,
mesmo as crônicas que exigem
uma contextualização para serem lidas com uma defasagem
de anos ajudam a compor o painel de um privilegiado observador e partícipe da história.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A
História do Brasil no Século 20" (Publifolha, em
cinco volumes).
SEMANA SIM, OUTRA TAMBÉM - CRÔNICAS DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Autor: José Sarney
Editora: ARX
Quanto: R$ 44,90 (448 págs.)
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