São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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Comentário

Personagens de Jack Nicholson vocalizaram a rebeldia de uma época

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

A exemplo de Francis Coppola, Martin Scorsese, Peter Fonda e Bruce Dern, Jack Nicholson cursou a "Escola de Cinema de Guerrilha Roger Corman", como o diretor Peter Bogdanovich -outro ilustre ex-aluno- se refere à American International Pictures, para a qual todos trabalharam nos anos 60.
Especializada em filmes "B" para circulação em salas populares, rodados em poucos dias com baixíssimo orçamento, a produtora de Corman foi a principal incubadora dos talentos que, na virada para a década de 70, ajudariam a desenhar, no processo de revitalização da indústria norte-americana, a "nova Hollywood".
A tomada do poder por essa geração tem uma de suas melhores traduções na carreira de Nicholson, há quase 50 anos na ribalta. O primeiro estágio, ainda no anonimato, foi o de aprendizado em filmes como "A Pequena Loja dos Horrores" (1960) e "O Terror" (1963), no qual Coppola trabalhou como assistente de direção.
O próprio Corman diz, no documentário "Uma Década sob a Influência" (2003), que acreditava no futuro dessa turma, mas não imaginava que ela iria tão longe. Para Jack Nicholson, o rito de passagem foi "Sem Destino" (69), que lhe valeu uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante.
Transformado em ícone da "nova Hollywood", o filme de Dennis Hopper enterrou o "código Hays", usado desde a década de 30 como instrumento de auto-censura da indústria, e apontou para a incorporação de valores da cultura hippie como oportunidade de sintonia com o público jovem, então distante da produção norte-americana.

Rebeldia
O espírito de rebeldia do período, ácido em relação à presença dos EUA no Vietnã, ao vazio da sociedade de consumo e ao papel repressivo de instituições como governo, família e escola, foi vocalizado com eficiência por seus personagens em "Cada um Vive como Quer" (70), "Ânsia de Amar" (71), "A Última Missão" (73) e "Um Estranho no Ninho" (75).
Junte ao pacote filmes como "Chinatown" (1974) e "O Passageiro - Profissão: Repórter" (1975), hoje clássicos, e em pouco mais de cinco anos Jack Nicholson já era um astro, um dos principais indícios de que as antigas regras do estrelato masculino em Hollywood haviam sido revogadas.
Como o seu amigo Bruce Dern observa em "Uma Década sob a Influência", era o triunfo do homem comum, demonstrado também pelo êxito de Gene Hackman, Robert De Niro e Al Pacino, entre outros atores que despontaram naquele momento.
A fama, o poder e a mudança de ares na sociedade foram aos poucos diluindo em Nicholson a rebeldia desses anos gloriosos. Há algo no olhar de seus personagens, entretanto, que mantém viva a lembrança daquela saudável tensão criativa, do zelador de "O Iluminado" (1980) ao aposentado de "As Confissões de Schmidt" (2002), do Coringa de "Batman" (1989) ao neurótico de "Melhor É Impossível" (1997).


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