São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

Lenise Pinheiro/Folha Imagem


as faces de descartes

Reconhecido como um dos jovens talentos do teatro paulistano, Marat Descartes participa da série "Alice", da HBO, e se prepara para estrear como protagonista no cinema, num filme assinado por Sérgio Bianchi

Numa terça-feira de novembro, no portão da casa azul encravada no meio da rua Rendeira, no Jardim Vista Alegre (zona norte de São Paulo), um homem de calça jeans preta, camisa cáqui, mocassim e mochila azul deixa a mulher ajeitar-lhe a gola, dá-lhe um beijo e se vai. São 16h48. Quase 20 minutos depois, às 17h07, o casal, na mesma posição, divide mais um carinho até que Valter parta novamente. "Corta!", grita o cineasta Sérgio Bianchi ("Cronicamente Inviável", "Quanto Vale ou É por Quilo?"), satisfeito, após quatro tomadas, com a cena de "Os Inquilinos", seu novo filme. Valter, o protagonista, é vivido por Marat Descartes, 32, jovem nome celebrado do teatro paulistano. As filmagens e a rotina do ator foram acompanhadas pelo repórter Lucas Neves.

 

Nos palcos, Marat já foi do "Tartufo" de Molière à "Oração para um Pé-de-Chinelo" de Plínio Marcos, passando por uma releitura musical de "Os Lusíadas". Em 2004, foi aclamado na peça "Aldeotas", que o tornou conhecido do público de São Paulo. Em março deste ano, recebeu o Prêmio Shell pela atuação no monólogo "Primeiro Amor", baseado em Samuel Beckett. Hoje, encerra a temporada de "Homem sem Rumo", em que encarna um empresário que ergue uma cidade, mas tem a alma em ruínas.
 

O Valter de "Os Inquilinos", que ele descreve como "a história de uma família de classe média baixa que vê a violência bater à porta", é sua estréia como protagonista no cinema. Há mais de um mês, ele acorda todo dia às 5h, é apanhado meia hora depois por um carro da produção, toma café no set, passa pela maquiagem e, às 7h, está diante das câmeras, onde ficará até o fim da tarde. "Estou me adaptando. No cinema, você fica muito tempo esperando. Passa nuvem, espera; passa avião, espera; cachorro late, espera. Isso, junto com o fato de filmar seqüências fora de ordem, dá uma virada na cabeça do ator", diz ele, já a caminho de casa, mais à vontade de camiseta, bermuda e chinelo.
 

Além do filme e da peça, Marat tenta concluir o curso de letras, iniciado há seis anos (antes, largou o direito na metade e se formou pela Escola de Arte Dramática da USP). Neste semestre, só se matriculou em duas disciplinas, que abandonou. "É um cotidiano em que não cabe boemia. Se cair na noite, corro o risco de ficar. E aí não vai ser bom o dia de amanhã", observa, sério, para mais tarde entregar: "Estou de ressaca. Fui ao [espetáculo] "Terça Insana" ontem e depois à casa do [ator] Gero [Camilo]. No fim, estava chamando Jesus Cristo de Jerônimo".
 

Na sala de estar da casa de dois andares em que Marat vive com a segunda mulher, a bailarina Gisele, na zona oeste, o piano divide espaço com almofadas vermelhas, um sofá, uma TV e, improvisado, um altar dos mais sincréticos: estão lá uma Nossa Senhora trazida de Ouro Preto (MG), um Buda, imagens de São Genésio e São Jorge e até um índio apache.
 

O hit da hora na casa é o disco do amigo Gero Camilo, para o qual Marat compôs (e gravou, em dueto) "Vem Amor". "O lance com a música é meio sazonal. Faz dois anos que escrevi a última", diz. Seus trinados também estão nas aulas de música que gravou para o "Telecurso 2000", programa educativo da Fundação Roberto Marinho; em uma das lições, ele dá uma palhinha de "Olha a Lígia", feita para a filha.
 

Às 19h30, a bordo de um Fusca 79 branco, Marat e Gisele partem rumo ao QG do teatro alternativo paulistano: a praça Roosevelt. É no bólido que o ator explica a origem do nome. "Meu bisavô materno era coronel e gostava de revolucionários: seus filhos se chamaram Danton, Robespierre e Marat. A combinação com Descartes não sei de onde veio." Já leu o filósofo racionalista? "Comecei o "Discurso do Método", mas é difícil, "cabeção" demais."
 

Na praça, entre uma cerveja e uma esfiha de escarola, ele aponta sua santíssima trindade de cachaças (Seleta, Boazinha e Espírito de Minas), faz a social com os colegas dos grupos Satyros e Parlapatões e adianta seu "projeto secreto de teatro", com Gero e cia.: montar "Macunaíma" em um navio em Portugal, com música e circo. Antes de aterrissar por lá, aparecerá em "Alice", série que a HBO lança em 2008. Ele será o namorado da personagem-título. Novelas, por ora, não lhe apetecem. "Deve ser um cotidiano chato. A possibilidade de se aprofundar é remota. Um dia, vou querer experimentar."
 

É Lígia, 6, o centro das atenções quando a reportagem volta à casa de Marat, no dia seguinte. A menina de cachos louros, filha do primeiro casamento, passa três dias por semana com o pai. Não conhece Britney Spears e até gosta de "High School Musical", mas é fã mesmo dos "Saltimbancos". Será atriz? "Gosto de cantar."
 

"Tô grávida do coco/do coco/do coco/O pai é o macaco/o macaco/o macaco". É a voz de Lígia que se ouve no refrão de "Gravidade", do CD de Gero Camilo. "Foi difícil [gravar]. Só cantei um pedacinho que tinha decorado", diz. Menos tímida ela se mostra na hora das fotos, dando a senha para o pai coruja se derreter: "Queria ter metade do seu "approach" com as câmeras, filha." Preocupação mesmo, só com o dente bambo que periga cair quando comer a abóbora assada que Gisele prepara na cozinha.


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