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FERREIRA GULLAR
Niemeyer: a beleza é leve
Coube ao arquiteto romper com a submissão à funcionalidade e à ditadura da linha reta
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ONTEM, 15 de dezembro, Oscar
Niemeyer completou cem
anos de vida, para a alegria de
seus amigos e de seus admiradores.
Se é função da arte inventar o mundo em que vivemos, no caso do aniversariante, já por ser arquiteto e o
arquiteto que é, não há exagero em
dizer-se que ele mudou a imagem
que se tem do Brasil, criando formas
arquitetônicas, belas e inusitadas,
que se integraram para sempre em
nosso imaginário.
Monumentos arquitetônicos como o Palácio da Alvorada, o Congresso Nacional e a Catedral de Brasília -para ficamos apenas em obras
da capital brasileira- tornaram-se
exemplos de uma nova concepção
estética, paradigmas da arquitetura
contemporânea.
São apenas três exemplos, mas a
verdade é que esse brasileiro é dotado de uma capacidade -quase, diria,
de uma genialidade- que lhe permite criar formas esteticamente sofisticadas e, ao mesmo tempo, capazes
de tocar a sensibilidade de todas as
pessoas. Por isso, escrevi, num poema a ele dedicado, "Oscar nos ensina
/ que o sonho é popular".
Não tenho dúvida nenhuma de
que ele nasceu arquiteto. Certamente, teve de fazer o curso de arquitetura, teve de conhecer e estudar a obra dos grandes arquitetos que o antecederam, mas só um talento excepcional para intuir o espaço arquitetônico e concebê-lo em formas inesperadas pode explicar o fenômeno que
ele é.
Essa capacidade de intuir e conceber o edifício manifestou-se, nele,
muito cedo e se mantém com o mesmo ímpeto criativo, hoje, quando ele
completa um século de vida e após
projetar e construir o maior número
de obras da história da arquitetura
mundial.
Modesto e audacioso, mudou o
projeto, concebido por seu mestre
Le Corbusier, para o edifício que é
hoje o Palácio Gustavo Capanema.
O detalhamento do projeto estava a
cargo de uma equipe chefiada por
Lúcio Costa da qual ele fazia parte.
Ao perceber que o edifício ganharia
em monumentalidade se as colunas
que o sustentariam fossem aumentadas no dobro da altura, fez um esboço que (à sua revelia) levaram a
Lúcio Costa, que decidiu adotá-lo. O
projeto modificado ficou tão bom
que Le Corbusier fez de conta que o
projetara daquele jeito.
Quem conhece a história da arquitetura moderna sabe que o princípio
básico do novo modo de construir
diz que "a forma segue a função". Essa estética funcionalista foi uma reação ao gosto "revival", que sufocava
a forma dos objetos e dos edifícios
com um decorativismo exagerado.
Por isso, os criadores da moderna
arquitetura adotaram a reta e a composição despojada como o seu princípio estético. Essa é a característica
comum às obras dos pioneiros da
nova arquitetura, como Le Corbusier, Walter Gropius ou Mies van der
Rohe.
Se o princípio funcionalista deu
nascimento a uma nova linguagem
arquitetônica, provocou, em contrapartida, soluções repetitivas que terminaram por empobrecer o repertório formal da nova arquitetura.
Ela se tornou pouco criativa.
Coube a Niemeyer romper com
essa submissão à funcionalidade e à
ditadura da linha reta e soluções ortogonais, ao conceber o conjunto arquitetônico da Pampulha, onde a
forma curva predominava. Iniciou-se, então, uma revolução que mudaria radicalmente o vocabulário da
arquitetura contemporânea.
Buscar a forma nova, que surpreenda e comova, terá sido o empenho de Niemeyer, desde seus primeiros projetos. E é extraordinária a
sua capacidade de criar novas formas, quer sejam as colunas do Palácio da Alvorada, quer sejam os arcos
assimétricos do edifício da editora
Mondadori, em Milão. É tal a expressão poética desses edifícios que
eles parecem apenas pousados no
chão, sem peso.
O arquiteto brasileiro deu início,
assim, à exploração das possibilidades plásticas do concreto armado e
das novas técnicas de construção.
Em conseqüência disso, sua audácia
na concepção das obras obrigava a
soluções técnicas inovadoras, fazendo avançar os processos de edificação. Para isso, contou com a colaboração de Joaquim Cardoso que,
além de calculista, era poeta -e dos
melhores.
Já houve quem afirmasse que Oscar Niemeyer, mais que um arquiteto, seria um escultor. A afirmação é
destituída de fundamento, já que
uma de suas principais virtudes é
precisamente a intuição e a concretização do espaço arquitetônico. Essa é uma qualidade essencial dos
edifícios por ele concebidos, em que
o espaço interior e o exterior são
percebidos pelas pessoas como uma
experiência que tanto as fascina
quanto as conforta.
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