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Debate
Hoje, desafios da Ilustrada são outros
Ao repisarem a idéia de que "o melhor já passou", comentários sobre o caderno revelam-se passadistas e equivocados
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem acompanhou os
debates realizados por
conta da efeméride dos
50 anos da Ilustrada
deve ter ficado com a sensação
de que "o melhor já passou".
Para artistas, jornalistas e intelectuais chamados a opinar, o
caderno cultural mais importante do país já não tem olhar
crítico. Não "dialoga" ideologicamente com mais ninguém. E,
pior, seus textos não possuem o
mesmo "toque" charmoso e
pessoal que celebrizou gerações passadas.
Sem querer desprezar o legado deixado pela ousadia dos colegas dos anos 80, foi perturbador ouvir por semanas a mesma ladainha nostálgica com a
qual lamentou-se o fim de uma
era e a impossibilidade de repetir uma experiência que simplesmente não se encaixa no
contexto em que vivemos.
Para os profissionais que começaram a fazer a Ilustrada
depois da queda do Muro de
Berlim, o desafio desde o início
já era outro. As transformações
da geopolítica, a modernização
da imprensa e a multiplicação
do número de produtos culturais no mercado passaram a
exigir de nós outra atuação.
Desde então, o caderno tem
tentado responder às novas demandas de consumo dos leitores e à necessidade de produzir
um jornalismo especializado.
Cobertura complexa
Tomemos dois exemplos. O
responsável pela cobertura de
música pop, no passado, não
precisava muito mais do que
comprar ou trazer de suas viagens as revistas internacionais
que poucos liam no Brasil,
identificar as bandas relevantes sobre as quais elas falavam e
ditar regras. Não havia internet, TV a cabo, MP3, celular.
Ouviam-se LPs, e o advento de
um simples aparelho de fax
causava manifestações de admiração e incredulidade. É
bom lembrar que, quando a
Ilustrada se projetou, o principal concorrente paulista da Folha não tinha caderno de cultura e não circulava às segundas!
Hoje a tarefa é bem mais
complexa. O repórter musical
precisa observar o que está sendo volumosamente despejado
via internet e apontar rapidamente uma tendência. Deve
oferecer um enfoque e uma linguagem originais, uma opinião
clara e didática sobre a gigantesca cena pop e a crise da indústria do disco.
Sobre cinema nacional, desde 1995, com a chamada "retomada", o trabalho dos que lidam com esse noticiário também ficou complexo.
Há mais filmes em exibição
nas salas do Brasil. É preciso
apresentá-los e dar-lhes uma
resposta crítica. Mas não só.
Muito dinheiro do Estado, por
meio das leis de incentivo, passou a girar neste universo. Por
isso, existe mais politicagem.
Não basta um caderno cultural "gostar" ou "não gostar" de
uma produção. É preciso contar como foi realizada. Há que
se investigar bastidores e cruzar informações.
Em ambos os casos, nota-se a
importância cada vez maior
que a reportagem passou a ocupar na mídia cultural.
E foi justamente nesse item
que a Ilustrada, a partir dos
anos 90, inovou. Num mundo
que vivenciava o "fim da história", já não fazia sentido ter
apenas um olhar crítico e (ou)
político. O público exigia informação e serviço.
Também se passou a fazer
uma distinção melhor definida,
por meio da edição e da diagramação, do que era opinião e do
que era reportagem.
Debate cultural
A avaliação entusiasta que é
feita hoje da Ilustrada de décadas passadas resulta da lembrança de episódios que passaram pelo filtro da história. Para
cada "sacada" memorável de
um editor, para cada artigo
"definitivo" de um jornalista
sobre essa ou aquela tendência,
correspondia uma enorme
quantidade de textos abaixo
dos padrões de qualidade de
hoje. O pouco método e a deficiência técnica resultavam numa cobertura muitas vezes improvisada, imprecisa e lacunar,
para não falar em alguns colaboradores e colunistas medíocres e antiquados.
Já a Ilustrada dos nossos
dias está totalmente exposta.
Erros e acertos misturam-se
no cotidiano, assim como no
passado. A diferença é que ainda não podemos engrandecer
nossos bons momentos simplesmente jogando os maus para o lixo do passado.
Os nostálgicos nos acusam
de apatia com relação ao que
definiram como "debate cultural". Mas há pelo menos dois
problemas aí. O primeiro é que,
mesmo que reconhecêssemos
tal "apatia" e tal "debate", de
nada adiantaria usar as mesmas armas de então.
Pereceríamos em campo de
batalha, pois não estaríamos
atendendo às atuais demandas.
O segundo problema é que
essa leitura passadista parece
recusar-se a enxergar o fato de
que a Ilustrada segue sendo o
caderno cultural mais prestigiado do país e continua debatendo temas relevantes: discutiu, por exemplo, a "nova direita", apontou incongruências no
uso da Lei Rouanet (teve até
anúncios cancelados por um
famoso circo) e liderou a polêmica sobre a Bienal do Vazio
(expressão, aliás, criada pelo
caderno). Agora debate a prisão da jovem pichadora e, mais
ainda, promove este amplo debate sobre si própria, sua história e perspectivas.
É oportuno lembrar que,
num contexto incerto e cercada de rivais, a Ilustrada ainda
é o suplemento cultural mais
lido e mais importante do Brasil. Uma referência essencial
para quem faz e consome arte
nos dias de hoje. Não é pouco.
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