São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2008

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Debate

Hoje, desafios da Ilustrada são outros

Ao repisarem a idéia de que "o melhor já passou", comentários sobre o caderno revelam-se passadistas e equivocados

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem acompanhou os debates realizados por conta da efeméride dos 50 anos da Ilustrada deve ter ficado com a sensação de que "o melhor já passou".
Para artistas, jornalistas e intelectuais chamados a opinar, o caderno cultural mais importante do país já não tem olhar crítico. Não "dialoga" ideologicamente com mais ninguém. E, pior, seus textos não possuem o mesmo "toque" charmoso e pessoal que celebrizou gerações passadas.
Sem querer desprezar o legado deixado pela ousadia dos colegas dos anos 80, foi perturbador ouvir por semanas a mesma ladainha nostálgica com a qual lamentou-se o fim de uma era e a impossibilidade de repetir uma experiência que simplesmente não se encaixa no contexto em que vivemos.
Para os profissionais que começaram a fazer a Ilustrada depois da queda do Muro de Berlim, o desafio desde o início já era outro. As transformações da geopolítica, a modernização da imprensa e a multiplicação do número de produtos culturais no mercado passaram a exigir de nós outra atuação.
Desde então, o caderno tem tentado responder às novas demandas de consumo dos leitores e à necessidade de produzir um jornalismo especializado.

Cobertura complexa
Tomemos dois exemplos. O responsável pela cobertura de música pop, no passado, não precisava muito mais do que comprar ou trazer de suas viagens as revistas internacionais que poucos liam no Brasil, identificar as bandas relevantes sobre as quais elas falavam e ditar regras. Não havia internet, TV a cabo, MP3, celular. Ouviam-se LPs, e o advento de um simples aparelho de fax causava manifestações de admiração e incredulidade. É bom lembrar que, quando a Ilustrada se projetou, o principal concorrente paulista da Folha não tinha caderno de cultura e não circulava às segundas!
Hoje a tarefa é bem mais complexa. O repórter musical precisa observar o que está sendo volumosamente despejado via internet e apontar rapidamente uma tendência. Deve oferecer um enfoque e uma linguagem originais, uma opinião clara e didática sobre a gigantesca cena pop e a crise da indústria do disco.
Sobre cinema nacional, desde 1995, com a chamada "retomada", o trabalho dos que lidam com esse noticiário também ficou complexo.
Há mais filmes em exibição nas salas do Brasil. É preciso apresentá-los e dar-lhes uma resposta crítica. Mas não só. Muito dinheiro do Estado, por meio das leis de incentivo, passou a girar neste universo. Por isso, existe mais politicagem.
Não basta um caderno cultural "gostar" ou "não gostar" de uma produção. É preciso contar como foi realizada. Há que se investigar bastidores e cruzar informações.
Em ambos os casos, nota-se a importância cada vez maior que a reportagem passou a ocupar na mídia cultural.
E foi justamente nesse item que a Ilustrada, a partir dos anos 90, inovou. Num mundo que vivenciava o "fim da história", já não fazia sentido ter apenas um olhar crítico e (ou) político. O público exigia informação e serviço.
Também se passou a fazer uma distinção melhor definida, por meio da edição e da diagramação, do que era opinião e do que era reportagem.

Debate cultural
A avaliação entusiasta que é feita hoje da Ilustrada de décadas passadas resulta da lembrança de episódios que passaram pelo filtro da história. Para cada "sacada" memorável de um editor, para cada artigo "definitivo" de um jornalista sobre essa ou aquela tendência, correspondia uma enorme quantidade de textos abaixo dos padrões de qualidade de hoje. O pouco método e a deficiência técnica resultavam numa cobertura muitas vezes improvisada, imprecisa e lacunar, para não falar em alguns colaboradores e colunistas medíocres e antiquados.
Já a Ilustrada dos nossos dias está totalmente exposta. Erros e acertos misturam-se no cotidiano, assim como no passado. A diferença é que ainda não podemos engrandecer nossos bons momentos simplesmente jogando os maus para o lixo do passado.
Os nostálgicos nos acusam de apatia com relação ao que definiram como "debate cultural". Mas há pelo menos dois problemas aí. O primeiro é que, mesmo que reconhecêssemos tal "apatia" e tal "debate", de nada adiantaria usar as mesmas armas de então.
Pereceríamos em campo de batalha, pois não estaríamos atendendo às atuais demandas.
O segundo problema é que essa leitura passadista parece recusar-se a enxergar o fato de que a Ilustrada segue sendo o caderno cultural mais prestigiado do país e continua debatendo temas relevantes: discutiu, por exemplo, a "nova direita", apontou incongruências no uso da Lei Rouanet (teve até anúncios cancelados por um famoso circo) e liderou a polêmica sobre a Bienal do Vazio (expressão, aliás, criada pelo caderno). Agora debate a prisão da jovem pichadora e, mais ainda, promove este amplo debate sobre si própria, sua história e perspectivas.
É oportuno lembrar que, num contexto incerto e cercada de rivais, a Ilustrada ainda é o suplemento cultural mais lido e mais importante do Brasil. Uma referência essencial para quem faz e consome arte nos dias de hoje. Não é pouco.


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