São Paulo, quarta, 16 de dezembro de 1998

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Artista apropriou do pop aos gritos de Munch


da Reportagem Local

Em 1975, Alex Vallauri ainda não era grafiteiro. Mas sua arte já se delineava em experiências com gravura feitas com chapas de metal, madeira e pedra.
No texto "Sombras Nada Más", que escreveu para apresentar uma exposição, Vallauri dá diversas pistas do que viria a ser seu universo criativo.
Cita, por exemplo, as xilogravuras de Edvard Munch (1863-1944), artista norueguês que gravou algumas das imagens mais gritantes do expressionismo. Essa corrente, fundada na idéia de que a deformação de uma imagem expressa mais verdade e poesia do que a sua reprodução fiel, marcou sobretudo o início da arte de Vallauri.
Escreve também sobre a arte pop, uma das matrizes de suas obras de rua.
O kitsch, modo como a arte trata objetos inicialmente vulgares que por ela são incorporados, também aparecem em seu discurso. E ele incorporou elementos kitsch em toda a sua produção de paredes, como a clássica "Rainha do Frango Assado".
Leia a seguir a íntegra de "Sombras Nada Más", de Vallauri. (CEM)

"As ruas de neon, a noite, uma mulher a vagar, o homem à espera na esquina, o ato consumido antes de consumado, o dinheiro nas ligas. Ela, o saber de tudo, mais um. O pão de amanhã, a espera, a mesa do bar.
As mesmas palavras, a cama à espera, o anonimato, a não-troca. A rua perto do cais, corpos a se roçar, cabeças virando, a rua, o copo na mesa, o quarto, a roupa no chão.
Meus 16 anos, 65 a 68. Santos, o cais, o precisar sentir o neon, Nelson Gonçalves, a cerveja quente, o bloco na mão, a transposição da cor, do clima, aquarelas veladas, esboços, expressionistas. Maria a perguntar:
- Mas tu me vê assim? Te esqueceste do brinco, ganhei ontem d'aquele americano. Não! D'aquele marinheiro de barba.
Lixar a madeira, olhar as xilogravuras de Munch, gravar precisamente, deformar o rosto, a dor, a alegria, a espera, a cama vazia, a toalha molhada.
A volta ao cais, Beatriz Rossi, Luiz Hamen, o mesmo tema, a visão da mulher do operário, o papel a ser rabiscado. O social, o expressionista, a denúncia.
Hoje, passaram-se dez anos, o mesmo tema? Sublimar. O prazer, a dor, o sadomasoquismo, o lápis que corre sensual pelos corpos. O sutiã, o objeto, o fetichismo. O prazer consumado a ser consumido.
A pop arte, não mais a denúncia, o criticismo, o objeto consumido, o "kitsch' dos anos 60, o baby- doll, a cama vazia, o homem na esquina.
Ela.
O vermelho-batom no cigarro apagado, outro cigarro, o cinzeiro ao pé da cama, outro cigarro, depois. A volta de cada corpo ao seu. Prazer, troca, continuidade.
A representação, o lápis que corre pelos corpos sensuais."



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