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NELSON ASCHER
Tsunamis
A escala Richter é uma fórmula que determina a intensidade de terremotos a partir
da amplitude das ondas registradas pelos sismógrafos. Cada grau
de diferença nela indica uma devastação substancialmente superior. Um terremoto que alcance
sete nessa escala é mil vezes mais
potente do que um que registre
cinco, e um tremor de nível nove,
como o que, em 26 de dezembro,
provocou os tsunamis no oceano
Índico, é mil vezes mais intenso
do que aquele.
É possível comparar a energia
liberada por um fenômeno assim
à dos explosivos. O nível nove
equivale à detonação simultânea
de 32 bilhões de toneladas de
TNT, ou seja, a uma explosão de
32 gigatons. A potência da bomba
atômica lançada em 6 de agosto
de 1945 sobre Hiroshima era de
12,5 quilotons. Seres humanos
que resolvessem reproduzir a recente catástrofe precisariam de
2,5 milhões de bombas iguais ou,
se usassem artefatos mais modernos (como o recordista de 60 megatons testado pelos soviéticos em
1961), de 500 bombas de hidrogênio.
A de Hiroshima matou imediatamente 70 mil pessoas e seus efeitos colaterais, o dobro disso. O número de vítimas das ondas que
atingiram litorais do sudeste e sul
asiático à costa oriental da África
anda em torno de 150 mil. Se bem
que tal constatação não console
quem perdeu família, casa ou aldeia, a natureza é cega e sua mira, deficiente, pois a energia envolvida, desde que adequadamente administrada, bastaria
para exterminar várias vezes a
humanidade inteira.
O epicentro do tremor se situava debaixo do mar, a 150 km do
litoral de Aceh, Província no noroeste da Indonésia, um arquipélago com mais de 17 mil ilhas, cujas duas principais, Sumatra e Java, repousam sobre uma área de
permanente instabilidade geológica. Foi ali que ocorreram muitas das piores erupções vulcânicas
de todos os tempos. A de Krakatoa (de uns 200 megatons), em 26
de agosto de 1883, foi a primeira
da região a se tornar, graças ao
telégrafo, notícia internacional.
Não obstante os 20 km cúbicos de
cinzas que despejou na atmosfera
e as ondas de até 40 m que levantou terem resultado em 36 mil
mortes, houve hecatombes maiores na vizinhança.
Estima-se que a erupção do
Tambora, em 1815, matou 100 mil
pessoas e ejetou 150 km cúbicos de
material que, se espalhando ao
redor da Terra e bloqueando
raios solares, foram responsáveis
por um "ano sem verão". Outra
explosão vulcânica no estreito de
Sunda, em meados do século 6,
afetando o clima na Europa e na
África, prejudicou colheitas, facilitou pestilências e incentivou
guerras. Mas, se desde que o Homo sapiens existe, sucedeu algo
que se aproxima do Apocalipse,
foi a erupção, 70-75 mil anos
atrás, do monte Toba, em Sumatra. Cinqüenta vezes mais poderosa que a de Krakatoa, ela cobriu a Índia de cinzas e, desencadeando uma intensa era glacial
de um milênio, ocasionou a extinção de incontáveis espécies e
adiou a colonização dos demais
continentes por nossos ancestrais
africanos.
Antigamente, dado que os homens sempre exigem explicações,
fenômenos semelhantes eram
equacionados e transmitidos sob
a forma de mitos. Antigamente?
Nem tanto. Do Oriente Médio à
Ásia não faltaram clérigos muçulmanos que atribuíssem os vagalhões de dezembro à cólera de
Allah. Curiosamente, a nação que
sofreu mais severamente seu impacto, a Indonésia, é majoritariamente islâmica e a Província de
Aceh é o centro do fundamentalismo local. Por que Allah teria
punido de tal modo seus seguidores? Por causa do desrespeito às
suas leis e da presença de turistas
infiéis que, além de se comportarem imoralmente, consomem bebidas alcoólicas.
Quem sabe isso explique por
que países que, beneficiados pela
alta nos preços do petróleo (Irã,
Arábia Saudita etc.), malgrado
não pouparem dinheiro para exportar sua fé, se mostraram tão
sovinas quando chegou a hora de
ajudar, não cristãos, hinduístas
ou budistas, mas sim seus correligionários. O grosso do auxílio às
vítimas veio dos Estados Unidos,
Austrália, Japão, Cingapura e Europa. E foram americanos e australianos que primeiro mobilizaram seus recursos, resgatando,
nos dias cruciais, quem ainda podia ser salvo.
Tamanha pressa, como era de
esperar, desagradou aos partidários da ONU que, vendo nela a
única fonte de legitimidade para
qualquer ação internacional, desejam transformá-la no núcleo de
um governo planetário. Um ex-membro da administração Blair
no Reino Unido, Clare Short, que
renunciara em protesto à Guerra
do Iraque após havê-la endossado, declarou que, tomando com
seus aliados a iniciativa de enviar
navios, aviões e helicópteros para
a zona de desastre, os Estados
Unidos estavam tentando deslegitimar a organização. Esta, incidentalmente, vem sendo acusada
de ter, no mínimo, fechado os
olhos conforme Saddam Hussein
embolsava US$ 20 bilhões destinados pelo programa Petróleo
por Comida ao povo iraquiano.
Short, a rigor, tinha razão. A
coalizão coordenada pelos EUA
desmoralizou novamente uma
instituição que já demonstrara,
por meio da omissão, sua irrelevância nos Bálcãs, em Ruanda,
no Iraque e continua a fazê-lo no
Sudão e no Congo. Enquanto os
militares americanos, australianos e outros transportavam remédios e alimentos, montavam hospitais de emergência e providenciavam água potável aos sobreviventes, os elegantes burocratas de
carreira "onusianos", quando
não estavam dando entrevistas à
imprensa, reuniam-se para decidir a pauta da reunião seguinte.
Se tais contrastes não foram muito noticiados ou comentados
aqui, tailandeses e indonésios,
cingaleses e indianos pelo menos
sabem com quem poderão contar
no caso de um novo cataclismo.
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