São Paulo, quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

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Revolucionário da imagem

Pioneiro da fotografia moderna no Brasil, Geraldo de Barros ganha caixa de dois livros que reúne duas séries históricas

MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

"A fotografia de Geraldo de Barros se rege por um estatuto da ruptura." A avaliação do crítico de arte e curador Paulo Herkenhoff resume a decisiva obra de Geraldo de Barros (1923-1998), que, finalmente, ganha uma publicação que mostra toda a importância dele para as artes brasileiras.
A caixa que reúne duas de suas principais séries fotográficas, "Fotoformas" e a inédita em livro "Sobras", chega às livrarias nesta semana em lançamento da editora Cosacnaify.
As imagens de "Fotoformas" foram feitas entre 1948 e 1952 e representam um dos momentos de subversão da linguagem fotográfica da época no Brasil, dominada então pelo pictorialismo, que se pautava por regras da pintura clássica. Teve nomes como Thomaz Farkas, 82, e German Lorca, 84, como parceiros dessa renovação.
"Acho que a série é o primeiro grande momento consistente da modernidade na fotografia brasileira, ainda que tardia", afirma o crítico de fotografia Rubens Fernandes Junior, organizador dos dois livros. "Naquele momento, ela se descola do seu habitat, que é o mundo visível. Essa produção e as "Sobras" podem ser vistas agora como marcos históricos."
"Ele tinha uma grande vontade de inovar, era radical mesmo", conta Farkas, companheiro dele no Foto Cine Clube Bandeirante e no laboratório de fotografia instalado em 1949 pelos dois no Masp (Museu de Arte de São Paulo), quando ainda estava na rua Sete de Abril, no centro da cidade.
Barros diferencia-se de outros pioneiros modernos por ver a fotografia como um processo, que ultrapassava o momento do clique da imagem. Assim, fazia intervenções no negativo, aplicava tintas e criava sobreposições, entre diversas outras experiências.
"O real era só um ponto de partida. Ele acrescentava nanquim e guache, usava ponta-seca no negativo, cartões perfurados. Ao contrário dos seus colegas, ele fazia do negativo uma matriz, como se fosse uma gravura", avalia Fernandes Junior.
A série "Fotoformas" foi exposta inicialmente no Masp em 1950. Depois de redescoberta nos arquivos por sua filha Fabiana de Barros, ganhou mostra na Suíça em 1993, no Musée de L'Elysée, e no ano seguinte foi exibida no MIS (Museu da Imagem e do Som), onde teve catálogo desenhado pelo próprio artista. Esgotado, foi reproduzido integralmente no livro atual, que acrescenta textos de críticos como Herkenhoff, Pietro Maria Bardi (1900-1999) e Radhá Abramo, entre outros.
Mas Geraldo de Barros, lembram seus contemporâneos, era um revolucionário cordial. "Era uma pessoa muito afável. Não deixava de ser crítico, tínhamos produções diferentes, mas nos ajudávamos muito. Ele me faz muita falta", diz Farkas.
"Acompanhei diversas experimentações das "Fotoformas", nelas ele mostrava muita criatividade", conta Lorca.

"Sobras"
O conjunto "Sobras", com mais de 300 imagens, é reunido agora em livro após ser exibido na mostra "A(s)simetrias", na galeria Brito Cimino, em São Paulo. A exposição foi premiada em 2006 na categoria fotografia pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).
A série, a última do artista, foi realizada a partir de registros familiares de Barros, feitos em temporadas de férias e em viagens com amigos. Nos anos 90, debilitado por sucessivas isquemias, tem a ajuda de uma assistente, Ana Moraes, para retrabalhar as imagens. "Ele parte de fotografias mais intimistas e, inserindo zonas brancas e negras ou recortando contornos, cria obras muito sofisticadas", diz Fernandes.
A multiplicidade e o caráter inquieto de Barros também podem ser percebidos nas produções dele como designer e pintor. Nos anos 50 e 60 ele estava à frente da Unilabor, uma cooperativa que fabricava móveis, até hoje lembrada como exemplo de autogestão. "A radicalidade da obra de Geraldo se refletiu na gestão comunitária de processos produtivos e nos seus produtos seriados", diz o arquiteto Mauro Claro.


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