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JOÃO PEREIRA COUTINHO
Cuba libre?
O embargo não é apenas inútil. É um pretexto para que o regime sobreviva. Morto ou vivo, Fidel é uma irrelevância
NÃO É fácil ser ditador. Platão
dizia, na sua "República",
que a infelicidade do tirano
nasce de sua incapacidade em ser
amado. O tirano vive no medo e o
medo, como Stálin demonstrou com
feroz eloqüência, convida a renovados atos de tirania.
Mas o tirano não vive apenas no
medo. Sabe que, pela ordem natural
das coisas, a vida não é eterna. E chegará um dia em que o corpo, habituado a mandar, será providencialmente mandado à cova. Na hora
derradeira, do senhor ao escravo, todos valem precisamente o mesmo.
E Fidel? Fidel jaz moribundo numa cama de Havana. De vez em
quando ainda aparece em foto de
jornal, segurando outro jornal, só
para mostrar ao mundo que ainda
respira. Mas essas imagens de seqüestrado não impedem o mundo
de conspirar em voz baixa. E depois
de Fidel, o que será de Cuba?
A revista "Foreign Policy" resolveu investigar e convidou dois jornalistas para o debate. Do lado da
acusação, o colunista Carlos Alberto
Montaner. Do lado da defesa, o inevitável Ignacio Ramonet, diretor do
"Le Monde Diplomatique". Começaram em diálogo. Terminaram em
insulto. Gostei.
Montaner relembra o óbvio: em
1959, quando Fidel entrou em Havana, a idéia era liberdade, democracia, economia aberta e relações normais com os Estados Unidos. Meio
século volvido, 2 milhões partiram
para o exílio, houve milhares de execuções, milhares de prisioneiros políticos e, no momento em que escrevo, uns 300 continuam nas masmorras. Sem falar da pobreza endêmica. Sentença de Montaner: depois
de Fidel, a mudança gloriosa. Como
aconteceu com as "democracias populares" no leste da Europa depois
da queda do muro de Berlim.
Ignacio Ramonet contrapõe. Começa por lembrar proezas de Cuba
na saúde e na educação. Assegura,
mentindo, que Cuba nunca matou
extrajudicialmente (Montaner relembra o afundamento do barco "13
de Marzo" com 72 refugiados a bordo). E termina com evidência clara:
Fidel saiu de cena há cinco meses e o
regime segue intacto. Aliás, o muro
caiu há 18 anos, Moscou deixou de
mandar dinheiro e Cuba sobreviveu.
Os comentários de Ramonet não
deveriam merecer comentário. Eles
assentam na desumanidade típica
do intelectual secular que, em nome
de um ideal abstrato, justifica qualquer crime como necessário à causa.
Mas Ramonet tem parte da razão:
o otimismo de Montaner, da administração americana e dos cubanos
no exílio é um ato de fé que o presente não comprova.
Não falo apenas da transição evidente que já ocorreu sem sobressaltos. Falo do atual PC cubano no poder: uma realidade relativamente jovem e heterogênea, com apoio crucial da Venezuela e, pormenor fundamental, com um inimigo externo
capaz de unir uma nação. O embargo não é apenas inútil. É um pretexto para que o regime sobreviva.
Entender o futuro de Cuba com os
óculos habituais do mundo pós-perestroika é distorcer o essencial.
Morto ou vivo, Fidel é uma irrelevância. A liberdade de Cuba será um
caminho lento, incerto. E o fim do tirano não é razão para festejar.
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