São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

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Sucesso em festivais pelo mundo, o cinema argentino ainda demora para chegar ao Brasil; a prova está em "Roma", elogiado filme de 2004 e que só agora estréia em SP

A segunda ONDA

Divulgação
A mãe Roma (Susú Pecoraro) e o filho, o garoto Joaco (Agustín Garvíe), alter ego do diretor argentino Adolfo Aristarain em seu novo filme, que estréia no Brasil


SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Se um extraterrestre pousasse de repente aqui no Cone Sul e assistisse a uma dúzia de bons e populares filmes produzidos na Argentina e no Brasil nas últimas décadas, teria a seguinte sensação: os brasileiros gostam de falar do sertão; os argentinos, das cidades. O nosso cinema é mais sexual e mitológico; o dos nossos vizinhos, mais sentimental e psicanalítico. E, enquanto nós nos alimentamos do "lúmpen", eles são totalmente obcecados com a classe média.
Nos filmes do veterano Adolfo Aristarain, 62, a mistura desses ingredientes que compõem a essência da cinematografia argentina encontra sua mais perfeita síntese -basta reparar em como foram construídos "Un Lugar en el Mundo" ou "Martin Hache".
Conseqüentemente, o foco do diretor aponta quase que para o sentido oposto daquilo que buscam seus pares brasileiros.
Afinal, é difícil imaginar que um diretor dos nossos expusesse tanto a própria intimidade como faz Aristarain em "Roma - Um Nome de Mulher", dirigido e escrito por ele, que estréia hoje em São Paulo.
Trata-se de uma espécie de autobiografia romântica que traça, por meio da história do exílio de um homem, a nostalgia por uma Argentina que ainda não havia conhecido o pesadelo militar.
A trama tem início em Madri nos dias de hoje, quando um velho escritor argentino é incumbido de fazer, por encomenda, um livro sobre si próprio. Como se trata de um idoso beberrão, seu editor envia um jovem para ajudá-lo no trabalho e, ao mesmo tempo, vigiá-lo para que cumpra os prazos. Tratado inicialmente com rispidez, o rapaz acaba conquistando o velho escritor por sua aptidão literária e pelo interesse que demonstra ter pela infância e adolescência do homem, vividos na Buenos Aires dos anos 50 e 60.
A relação de mestre e aluno que se forma entre os dois gera uma novela espetacular sobre a Argentina daquela época. "A idéia de transmitir o conhecimento é algo que me interessa. Gosto de mostrar o quanto uma geração mais velha, que está de saída, pode transmitir aos mais novos e o quanto sofre na tentativa de se fazer compreender", disse Aristarain à Folha.
Só que o diretor não pode reclamar por não se fazer ouvir pelos jovens. Aristarain começou a fazer filmes nos anos 60, bem antes do hype do "novo cinema argentino" -de meados dos anos 90 para cá. Ainda assim, é fácil ver sua influência em produções como "O Filho da Noiva" (Juan José Campanella, 2001) e "Esperando o Messias" (Daniel Burman, 2000).
É curioso que "Roma", a obra mais completa de Aristarain, esteja saindo das mãos do cineasta agora, ao mesmo tempo em que os talentosos cineastas jovens, cuja produção é conhecida pelo simpático apelido de "buena onda", dão um passo à frente e põem no mercado e nos festivais filmes mais maduros. "É um momento muito bom, apesar da crise que vive o país."
Entretanto, Aristarain vê com preocupação o atraso nas trocas culturais entre Brasil e Argentina e a demora na estréia de filmes brasileiros lá e vice-versa. "Aqui, em outros tempos, se exibiam filmes europeus, brasileiros, poloneses e de vários países, mas a indústria americana se apoderou do mercado", diz o diretor, que defende um maior intercâmbio. "Tive filmes que passaram por festivais europeus e nunca foram exibidos no Brasil. Não faz sentido."

Anarquia
A Roma do título enigmático do filme não é a capital italiana, muito menos a sede do catolicismo ou a casa do papa. Trata-se, isso sim, do nome da mãe do protagonista (e da mãe do próprio diretor), dado pelo pai anarquista (de ambos). "Quando meu avô assim chamou minha mãe, ele se referia à Roma livre que queria ver no futuro, com o anarquismo, era um idealista."
Boa parte da ação se passa num período turbulento do passado argentino. Ainda assim, a história é observada com a distância e de maneira difusa. "É impossível construir personagens sem a época em que viveram. Não se pode fugir da história, mas também não se pode parar a narrativa para explicar o contexto. As coisas acontecem juntas e há diferentes níveis de intensidade na relação do homem com os fatos. A queda de Perón, os levantes, a ditadura, tudo isso está lá. Mas também estão os momentos mais ou menos neutros, em que a política influencia menos e parece não existir. Afinal, assim é a vida."

Roma, um Nome de Mulher
Roma
   
Produção: Argentina/ Espanha, 2004
Direção: Adolfo Aristarain
Com: Juan Diego Botto, Susú Pecoraro e José Sacristán
Quando: a partir de hoje no HSBC Belas Artes


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