São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Na roça com Jamie

Em seu sítio na Inglaterra, o jovem chef Jamie Oliver mostra à Folha a horta de onde saíram ingredientes para livro de receita a ser lançado no Brasil e diz que gosta de "caos" e de comida caseira, sem "frescuras francesas'

PEDRO DIAS LEITE
ENVIADO ESPECIAL A ESSEX (INGLATERRA)

Jamie Oliver detesta os programas de TV com chefs de 50 anos e seus potinhos com tudo já cortado. Jamie Oliver não tem o menor interesse na "alta culinária", com seus pratos sofisticadíssimos. Jamie Oliver odeia que digam a ele o que fazer. O jovem chef britânico, aos 32 anos, gosta mesmo é do caos.
Passam das 15h de uma sexta com clima de primavera (sol e 12º C) em Essex, vilarejo calmo a uma hora de Londres, quando Jamie senta para a entrevista com a Folha, no sítio que comprou há alguns anos e que foi palco de seu mais recente programa, "Em Casa com Jamie".
No enorme galpão envidraçado, de um lado há uma pequena cozinha, com fogão, panelas, pia; e queijos, temperos, verduras. Do outro, uma bateria num canto, um sofá no outro. Na estante, dezenas de livros de culinária, alguns muito antigos, outros do próprio Jamie, um do superchef norte-americano Mario Batali.
"Quando você vê alguns programas de culinária, tudo já está cortadinho em pequenos potes, reparou? Pote disso, pote daquilo. Mas, quando chega em casa e decide fazer o jantar, está tudo na geladeira! Você cria o maldito caos para cozinhar. Não dá para acreditar em alguns programas, tudo em ótimos potinhos, e vai, esvazia esse, esvazia aquele. Ah, isso é cozinhar? Não, não é", argumenta, apaixonadamente, enquanto move os braços, ajeita-se no sofá e faz uma série de sons com a boca, para deixar clara a imagem dos potinhos sendo esvaziados. Evitou, no entanto, citar os programas nos quais não se pode "acreditar".
A divergência de Jamie com os outros chefs vai além dos potinhos. Ele não gosta da culinária sofisticada, com pratos milimetricamente arranjados e ingredientes irreconhecíveis.
"Ah, não, nunca cozinho isso. É como você gostar de rave e alguém pedir para você gostar de jazz; gostar de Audi e pedirem para usar Volvo; ter cabelo comprido e pedirem para usar curto", reage. "Gosto de cozinhar boa comida caseira. Sei fazer essas frescuras francesas, mas [mais gestos] acho tão destrutivo, não significa nada. Não me faz sorrir. Faz tocar demais a maldita comida, e não gosto disso. Minha filosofia, na medida do possível, é tocar a comida que estou fazendo o mínimo possível e tirar o menos possível de suas características."
A culinária, argumenta Jamie, é o oposto. Sua filosofia é usar ingredientes bons e frescos e "mandar ver". "Minha regra é manter as coisas simples. Quando estou fazendo boa comida, nunca é comida de chef. É só cozinhar comida caseira. Gosto de azeite de oliva em vez de manteiga, ervas, vegetais, massa, temperos."

"Maldito hippie"
"O importante é: divirta-se e seja corajoso. Você não acreditaria como algumas pessoas viram covardes na cozinha. Você vê uns caras enormes que ficam medrosos. Tem de ir e fazer, mandar ver. Quer dizer que não vai errar? É claro que vai. Mas, se não fizer com um mínimo de convicção, vai fazer ainda mais erros", afirma.
A sua horta, a alguns passos do galpão, é um exemplo vivo do modo Jamie Oliver de fazer as coisas. Dela saíram os ingredientes e a inspiração para seu atual programa e seu livro de receitas, que será lançado no Brasil no próximo semestre.
"As pessoas pensam que você tem de ter certa idade para cultivar vegetais, ou parecer um maldito hippie para cuidar de uma horta. Não mesmo! É simplesmente colocar umas coisas no chão, um pouco de luz, de água e, na maioria das vezes, vai crescer algo. Pode não ser bonito nem ordenado, ficar meio bagunçado, mas, do que sai, você consegue seu jantar."
O chef está no meio da explicação quando uma mulher com um desses aparelhos de fazer chapinha se aproxima e começa a arrepiar ainda mais seus cabelos loiros já estrategicamente levantados para o alto. "Desculpe, ela está tentando me deixar lindo", explica-se ele. Na verdade, já é a preparação para uma filmagem que será feita em uma hora, para um vídeo para seus funcionários.
Mas, então, é natural a dúvida: é tudo mesmo espontâneo ou não passa de marketing?
"É real. Eu nunca ensaio, nunca mesmo!", diz Jamie, para logo engatar em mais uma história, a de como aprendeu a ensinar. Aos oito anos, começou a cozinhar no pub dos pais, perto de onde comprou o sítio. Aos 11, já usava uma faca de chef e dava ordem em gente com o dobro de sua idade e seu tamanho: "Então tive que, rapidamente, desenvolver um jeito de falar com as pessoas e ensinar para, basicamente, não chutarem a minha cabeça".
Mais uma pausa -outro funcionário, que veio trazer um chá. "Meu Deus, o que esse cara pôs aqui?", diz Oliver, sorrindo para o assessor que trouxe seu chá com leite. "Está uma porcaria. Pode falar, você cuspiu [na verdade, uma palavra pior, impublicável] na minha bebida, não é?", reafirma, de bom humor, e toma mais um gole.


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.