São Paulo, sábado, 17 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bonde das letras

Um grupo de 16 autores brasileiros, veteranos e novos, embarca para 16 cidades do mundo para escrever uma história de amor

CADÃO VOLPATO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Você é um escritor sem dinheiro, lutando pela sobrevivência. Tem, segundo suas próprias palavras, "apenas um dia de príncipe ao mês". Você emigrou dos quadrinhos para a literatura, vendeu os direitos para o cinema dos livros que publicou, mas ainda desenha uma última história de despedida.
Um dia, aparece um sujeito oferecendo um mês de estadia em Nova York, onde você nunca esteve, com todas as despesas pagas e a única obrigação de retornar com uma história de amor na cabeça, que depois será publicada por uma das maiores editoras do Brasil.
O escritor em questão existe, é Lourenço Mutarelli, um dos 16 autores brasileiros a caminho de 16 destinos diferentes no mundo, para viver uma experiência -qualquer experiência-, voltar e escrever um livro.
A coleção se chama Amores Expressos e foi idealizada por Rodrigo Teixeira, um jovem Quixote de pés bem plantados no chão. Teixeira já foi chamado de maluco na sua primeira experiência na área de cultura. Ele tinha 21 anos e quis publicar uma coleção de futebol.
No começo, ninguém quis saber. Bastava pensar na combinação improvável do assunto futebol com a cara de garoto do proponente para saber: não ia dar certo.
Pois Teixeira conseguiu um patrocinador tão apaixonado quanto ele ("Aos 45 do segundo tempo da minha vida", diz), chamou 13 autores expressivos e criou uma coleção de futebol, a Camisa Treze, que vendeu, no total, cerca de 350 mil livros.
Desde então, Teixeira tem inventado diversos projetos multimídia: "Um livro que pode virar um filme que pode virar um DVD que pode virar um programa de televisão", diz.
Assim nasceu a idéia da coleção Amores Expressos, que ele divide com o escritor João Paulo Cuenca, autor de um único romance, "Corpo Presente", e de uma novela entre as três do livro "Parati Para Mim", em que os autores passaram uma temporada na cidade para escrever uma pequena história.
Já os 16 afortunados viajantes da coleção da Companhia das Letras vão ganhar o mundo, a partir de abril, quando embarca a primeira leva.
O dinheiro para essa aventura -cerca de R$ 1,2 milhão, contabilizando todos os produtos finais- vem, em parte, da Lei Rouanet. Todos os autores recebem o mesmo valor pelos direitos autorais e pela cessão de direitos ao cinema.
"Estamos num momento fértil, em que a literatura brasileira vem encontrando novos nomes", diz o editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras. Para ele, o projeto também vale como garimpo, por conta de seus escritores novos e novíssimos. Os títulos devem ser publicados ao longo de quatro anos pela editora.

Histórias de amor
"Quase todas as histórias do mundo são histórias de amor", diz Bernardo Carvalho, destino São Petersburgo, Rússia. A afirmação surpreende, vinda de um escritor cerebral, mas sinaliza a disposição de quase todos os autores.
"Dá para ambientar romances até na Lapônia, como no filme "Os Amantes do Círculo Polar'", conta Adriana Lisboa, destino: Paris.
Filme, aliás, é o formato embutido e desejado nessas histórias que serão gestadas no exterior. Não só isso: uma equipe de filmagem deve acompanhar os viajantes por três dias, retratando sua experiência para lançá-la em um DVD futuro.
Para o veterano Sérgio Sant'Anna, destino Praga, a viagem lembra um filme antigo: ele já esteve na cidade, com a família, em 1968, um pouco antes dos tanques soviéticos.
"Sinto Praga como um cenário perfeito e até com um mistério poético para uma história de amor. E há toda aquela magia de ser a cidade de Kafka. Sinto que a novela nascerá e fluirá a partir do que sentir lá."
Ao imaginar as estadias dos 16 escritores, Cuenca e Teixeira pensaram em criar "ruídos". O próprio Cuenca pretende se perder em Tóquio. Chico Mattoso, inédito em romance, encara o socialismo musical e decadente de Havana, uma festa para os sentidos. "É isso que faz você escrever e ter idéias. É tirar o seu chão", diz a colunista da Folha Cecilia Giannetti, destino Berlim.


Texto Anterior: Horário nobre na TV Aberta
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.