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Livros - Crítica/história
Estudo traça um amplo arco da história da arte mundial
"Modernismos" reúne textos de estética e política do historiador e crítico T.J. Clark
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Jean-Paul Marat, "o amigo do povo", foi assassinado em sua banheira,
aos 50 anos, em 1793. Era o auge da Revolução Francesa, e os
jacobinos trataram de prestar
homenagens àquele panfletário radical. A idéia do pintor
Jacques-Louis David (1748-1825) era também das mais radicais. Ele queria expor o corpo
embalsamado, numa espécie
de "quadro vivo", reconstituindo a cena do assassinato.
"O que atrapalhou esses planos", conta o historiador e crítico de arte T.J. Clark num dos
ensaios de "Modernismos", "foi
justamente o corpo: ele não estava íntegro". Foi assim que
surgiu o célebre, lúgubre e despojado quadro de David, "Marat Assassinado", hoje num
museu em Bruxelas.
Clark considera o dia em que
esse quadro foi exposto aos cidadãos de Paris, "minha data
preferida para marcar o início
do modernismo". O estilo algo
picante da formulação retorna
em vários pontos (não os melhores) deste livro, que inclui
um ensaio intitulado "Será que
Benjamin devia ter lido
Marx?", e pequenas piruetas
dialéticas como a que se segue.
"Marxismo vulgar"
"Eu estaria disposto a afirmar que o expressionismo abstrato é tanto melhor quanto
mais vulgar, porque é aí que ele
capta plenamente as condições
técnicas e sociais de representação do seu momento histórico". Apesar de frases desse tipo,
os ensaios de Clark nada têm
em comum com o que se denominava o "marxismo vulgar".
Para voltar ao ensaio sobre o
quadro de David, os debates
ideológicos de 1793 são analisados com extremos de minúcia,
que se dirigem então para a
análise do próprio quadro, sem
transposição imediata do político ao estético.
Ao contrário, nota-se o que a
obra de David tratava de ocultar, de suprimir, em face das
pressões políticas.
E o modernismo nisso? Para
T.J. Clark, este surge quando a
arte "se subordina ao contingente". Claro que pintores como Rubens e Velázquez serviam aos poderosos de seu tempo. Mas a função deles era
"transformar o político, remover-lhe as impurezas dos fatos
contingentes, alçá-lo à esfera
da alegoria".
Imediatidade, literalidade,
proximidade -e certa crueza,
prenunciadora do "desencantamento do mundo"- tornam,
dessa forma, "moderno" o "Marat Assassinado".
Terror e modernidade
Do impacto macabro desse
quadro à efusão "atômica" de
Jackson Pollock, passando pelo
contraste entre "matéria" e "fenômeno" na pintura de Cézanne, o arco traçado por esta coletânea é dos mais amplos, abrindo espaço até mesmo para um
comentário sobre as relações
do terrorismo muçulmano com
a modernidade: "No coração do
mundo do espetáculo, o mundo-imagem míngua e se volatiliza, mas fora, na fronteira do
consumo, converte-se em um
dos principais incitadores de
uma nova leva de terror e martírio, pois oferece aos recém-iniciados, em suas técnicas,
uma ilusão de eficácia política
que, num mundo de fantasmas,
parece bastante verossímil."
Nesse ambiente sombrio, os
ensaios de Clark são sempre esclarecedores, mesmo quando
não totalmente verossímeis.
MODERNISMOS
Autor: T.J. Clark
Tradução: Vera Pereira
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 79 (368 págs.)
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