São Paulo, sábado, 17 de março de 2007

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Livros - Crítica/história

Estudo traça um amplo arco da história da arte mundial

"Modernismos" reúne textos de estética e política do historiador e crítico T.J. Clark

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Jean-Paul Marat, "o amigo do povo", foi assassinado em sua banheira, aos 50 anos, em 1793. Era o auge da Revolução Francesa, e os jacobinos trataram de prestar homenagens àquele panfletário radical. A idéia do pintor Jacques-Louis David (1748-1825) era também das mais radicais. Ele queria expor o corpo embalsamado, numa espécie de "quadro vivo", reconstituindo a cena do assassinato. "O que atrapalhou esses planos", conta o historiador e crítico de arte T.J. Clark num dos ensaios de "Modernismos", "foi justamente o corpo: ele não estava íntegro". Foi assim que surgiu o célebre, lúgubre e despojado quadro de David, "Marat Assassinado", hoje num museu em Bruxelas.
Clark considera o dia em que esse quadro foi exposto aos cidadãos de Paris, "minha data preferida para marcar o início do modernismo". O estilo algo picante da formulação retorna em vários pontos (não os melhores) deste livro, que inclui um ensaio intitulado "Será que Benjamin devia ter lido Marx?", e pequenas piruetas dialéticas como a que se segue.

"Marxismo vulgar"
"Eu estaria disposto a afirmar que o expressionismo abstrato é tanto melhor quanto mais vulgar, porque é aí que ele capta plenamente as condições técnicas e sociais de representação do seu momento histórico". Apesar de frases desse tipo, os ensaios de Clark nada têm em comum com o que se denominava o "marxismo vulgar".
Para voltar ao ensaio sobre o quadro de David, os debates ideológicos de 1793 são analisados com extremos de minúcia, que se dirigem então para a análise do próprio quadro, sem transposição imediata do político ao estético.
Ao contrário, nota-se o que a obra de David tratava de ocultar, de suprimir, em face das pressões políticas. E o modernismo nisso? Para T.J. Clark, este surge quando a arte "se subordina ao contingente". Claro que pintores como Rubens e Velázquez serviam aos poderosos de seu tempo. Mas a função deles era "transformar o político, remover-lhe as impurezas dos fatos contingentes, alçá-lo à esfera da alegoria".
Imediatidade, literalidade, proximidade -e certa crueza, prenunciadora do "desencantamento do mundo"- tornam, dessa forma, "moderno" o "Marat Assassinado".

Terror e modernidade
Do impacto macabro desse quadro à efusão "atômica" de Jackson Pollock, passando pelo contraste entre "matéria" e "fenômeno" na pintura de Cézanne, o arco traçado por esta coletânea é dos mais amplos, abrindo espaço até mesmo para um comentário sobre as relações do terrorismo muçulmano com a modernidade: "No coração do mundo do espetáculo, o mundo-imagem míngua e se volatiliza, mas fora, na fronteira do consumo, converte-se em um dos principais incitadores de uma nova leva de terror e martírio, pois oferece aos recém-iniciados, em suas técnicas, uma ilusão de eficácia política que, num mundo de fantasmas, parece bastante verossímil."
Nesse ambiente sombrio, os ensaios de Clark são sempre esclarecedores, mesmo quando não totalmente verossímeis.


MODERNISMOS     
Autor: T.J. Clark
Tradução: Vera Pereira
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 79 (368 págs.)

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