São Paulo, terça-feira, 17 de abril de 2001

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MÚSICA/LANÇAMENTOS

"CINE BARONESA"

Violonista chega ao seu quinto disco longe dos modismos

Guinga abre espaço para orquestra e canto

EDSON FRANCO
DA REDAÇÃO

Suas músicas já fizeram Sérgio Mendes chorar. "Um cara como ele só aparece a cada cem anos", disse Hermeto Paschoal. Para Ed Motta, ele é o maior compositor vivo. Chico Buarque se disse orgulhoso por ter gravado com ele. É isso aí, unanimidade entre seus pares, o compositor e violonista carioca Guinga, 50, chega ao seu quinto disco sabendo que o grande público vai se privar de prazer similar ao dos músicos acima.
Sem concessões a modismos, no CD "Cine Baronesa" Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar (seu verdadeiro nome) dá sequência à coleção de melodias inspiradas na memória iniciada em "Suíte Leopoldina", de 99.
"Sei que, apesar de investir no meu trabalho como se a Caravelas fosse multinacional, o Victor (Martins, dono da gravadora) não vai ganhar milhões com esse CD", disse o violonista à Folha.
Guinga procurou agregar competência na hora de escolher quem entraria no estúdio com ele. A começar pelos parceiros nas composições -Aldir Blanc e Nei Lopes-, passando pelas vozes -Fatima Guedes e Chico Buarque- e desembocando nos arranjadores -Gilson Peranzzetta e Nailor "Proveta" Azevedo.
Tudo para dar mais colorido às 13 faixas que compõem o CD. O que faz com que o violão de Guinga apareça em doses comedidas, abrindo espaço para arranjos orquestrais e para o canto.
"O disco traz uma história, e às vezes a letra ajuda a contá-la."
Segundo o violonista, além de uma história, "Cine Baronesa" tem um conceito que lhe garante fluidez. "O CD começa e termina com a música "Melodia Branca", que fiz em homenagem à minha filha. Na primeira faixa, eu chego em grupo, com uma orquestra. Na última, sou só eu e violão, como se a festa tivesse acabado e eu voltasse sozinho para casa."
Entre uma ponta e outra do CD, Guinga passeia por serestas, sambas, frevos, baladas. Sempre com uma leitura que busca escapar do banal com uma abordagem pautada na originalidade e no ecletismo. Esse último, segundo o violonista, decorrente de experiências adquiridas desde a infância.
"Minhas primeiras memórias musicais vêm do meu pai. Ele não tinha muita instrução, mas tinha muita sensibilidade musical. Quando dava, ele comprava alguns discos. Foi assim que tive contato com óperas como "Tosca" e "Cavaleria Rusticana"."
O lado materno da família é o responsável por seu gosto pela seresta e pelo jazz e por ele ter fugido da influência uniformizante do rock'n'roll. "Um tio meu ganhava o suficiente para comprar muitos discos de jazz. Com ele, ouvi muito Django Reinhardt, Billie Holiday e Kid Ory. Outro tio era cantor de serestas no rádio. E o irmão mais novo de minha mãe, com quem cheguei a dividir o quarto, tinha um violão e me ensinou os primeiros rudimentos."
Guinga diz que não escolheu o violão. "Fui escolhido pelo instrumento com 11 anos. Venho de uma família pobre, e violão era o que dava para ter em casa."
Aos 12, ele foi apresentado por um vizinho às dissonâncias da bossa nova. Um ano depois, esse mesmo vizinho armou um "tête-à-tête" entre o jovem aprendiz e o violonista Hélio Delmiro.
Era o empurrão que faltava. Aos 13, Guinga começou a compor "músicas bem joviais", como ele mesmo diz. A coisa começou a ficar séria aos 17, quando ele conseguiu classificar a canção "Sou Só Solidão" no Festival Internacional da Canção, da Rede Globo.
Daí viria a parceria com Paulo Cesar Pinheiro, que o apresentou ao MPB-4, que registrou "Conversa com o Coração" e "Maldição de Ravel" -parcerias de Guinga com Pinheiro- no álbum "Palhaços e Reis", de 1974.
Já dava para viver só de música? Talvez, mas, em todo o caso, Guinga resolveu tocar adiante a faculdade de odontologia, profissão que exerce até hoje, nas manhãs de terças e quintas, em seu consultório no Rio.
Entre obturações, ele compôs músicas que foram parar nos repertórios de Elis Regina, Chico Buarque, Leila Pinheiro, Michel Legrand, Sérgio Mendes, Clara Nunes e Ivan Lins. Guinga passou a assinar capas de discos apenas em 91, quando lançou "Simples e Absurdo", sucedido por "Delírio Carioca" (93), "Cheio de Dedos" (96) e "Suíte Leopoldina" (99).
É neles que o compositor junta sua herança musical, os cinco anos de estudo de violão clássico e as técnicas de Garoto, Baden Powell, Turíbio Santos, Raphael Rabello, entre outros. É neles que as atividades de cirurgião-dentista e compositor convergem.
"É bom exercer outra atividade, pois saio do consultório com sede de música. Se ficasse 24 horas por dia tocando, talvez já tivesse enjoado. E a habilidade no violão me deu muita leveza nos movimentos. Às vezes, meus pacientes dizem que nem sentem quando eu aplico uma anestesia."


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