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MÚSICA/LANÇAMENTOS
"CINE BARONESA"
Violonista chega ao seu quinto disco longe dos modismos
Guinga abre espaço para orquestra e canto
EDSON FRANCO
DA REDAÇÃO
Suas músicas já fizeram Sérgio
Mendes chorar. "Um cara como
ele só aparece a cada cem anos",
disse Hermeto Paschoal. Para Ed
Motta, ele é o maior compositor
vivo. Chico Buarque se disse orgulhoso por ter gravado com ele.
É isso aí, unanimidade entre seus
pares, o compositor e violonista
carioca Guinga, 50, chega ao seu
quinto disco sabendo que o grande público vai se privar de prazer
similar ao dos músicos acima.
Sem concessões a modismos,
no CD "Cine Baronesa" Carlos
Althier de Sousa Lemos Escobar
(seu verdadeiro nome) dá sequência à coleção de melodias
inspiradas na memória iniciada
em "Suíte Leopoldina", de 99.
"Sei que, apesar de investir no
meu trabalho como se a Caravelas
fosse multinacional, o Victor
(Martins, dono da gravadora) não
vai ganhar milhões com esse CD",
disse o violonista à Folha.
Guinga procurou agregar competência na hora de escolher
quem entraria no estúdio com ele.
A começar pelos parceiros nas
composições -Aldir Blanc e Nei
Lopes-, passando pelas vozes
-Fatima Guedes e Chico Buarque- e desembocando nos arranjadores -Gilson Peranzzetta
e Nailor "Proveta" Azevedo.
Tudo para dar mais colorido às
13 faixas que compõem o CD. O
que faz com que o violão de Guinga apareça em doses comedidas,
abrindo espaço para arranjos orquestrais e para o canto.
"O disco traz uma história, e às
vezes a letra ajuda a contá-la."
Segundo o violonista, além de
uma história, "Cine Baronesa"
tem um conceito que lhe garante
fluidez. "O CD começa e termina
com a música "Melodia Branca",
que fiz em homenagem à minha
filha. Na primeira faixa, eu chego
em grupo, com uma orquestra.
Na última, sou só eu e violão, como se a festa tivesse acabado e eu
voltasse sozinho para casa."
Entre uma ponta e outra do CD,
Guinga passeia por serestas, sambas, frevos, baladas. Sempre com
uma leitura que busca escapar do
banal com uma abordagem pautada na originalidade e no ecletismo. Esse último, segundo o violonista, decorrente de experiências
adquiridas desde a infância.
"Minhas primeiras memórias
musicais vêm do meu pai. Ele não
tinha muita instrução, mas tinha
muita sensibilidade musical.
Quando dava, ele comprava alguns discos. Foi assim que tive
contato com óperas como "Tosca"
e "Cavaleria Rusticana"."
O lado materno da família é o
responsável por seu gosto pela seresta e pelo jazz e por ele ter fugido da influência uniformizante
do rock'n'roll. "Um tio meu ganhava o suficiente para comprar
muitos discos de jazz. Com ele,
ouvi muito Django Reinhardt, Billie Holiday e Kid Ory. Outro tio
era cantor de serestas no rádio. E
o irmão mais novo de minha mãe,
com quem cheguei a dividir o
quarto, tinha um violão e me ensinou os primeiros rudimentos."
Guinga diz que não escolheu o
violão. "Fui escolhido pelo instrumento com 11 anos. Venho de
uma família pobre, e violão era o
que dava para ter em casa."
Aos 12, ele foi apresentado por
um vizinho às dissonâncias da
bossa nova. Um ano depois, esse
mesmo vizinho armou um "tête-à-tête" entre o jovem aprendiz e o
violonista Hélio Delmiro.
Era o empurrão que faltava. Aos
13, Guinga começou a compor
"músicas bem joviais", como ele
mesmo diz. A coisa começou a ficar séria aos 17, quando ele conseguiu classificar a canção "Sou Só
Solidão" no Festival Internacional
da Canção, da Rede Globo.
Daí viria a parceria com Paulo
Cesar Pinheiro, que o apresentou
ao MPB-4, que registrou "Conversa com o Coração" e "Maldição de Ravel" -parcerias de
Guinga com Pinheiro- no álbum "Palhaços e Reis", de 1974.
Já dava para viver só de música?
Talvez, mas, em todo o caso,
Guinga resolveu tocar adiante a
faculdade de odontologia, profissão que exerce até hoje, nas manhãs de terças e quintas, em seu
consultório no Rio.
Entre obturações, ele compôs
músicas que foram parar nos repertórios de Elis Regina, Chico
Buarque, Leila Pinheiro, Michel
Legrand, Sérgio Mendes, Clara
Nunes e Ivan Lins. Guinga passou
a assinar capas de discos apenas
em 91, quando lançou "Simples e
Absurdo", sucedido por "Delírio
Carioca" (93), "Cheio de Dedos"
(96) e "Suíte Leopoldina" (99).
É neles que o compositor junta
sua herança musical, os cinco
anos de estudo de violão clássico e
as técnicas de Garoto, Baden Powell, Turíbio Santos, Raphael Rabello, entre outros. É neles que as
atividades de cirurgião-dentista e
compositor convergem.
"É bom exercer outra atividade,
pois saio do consultório com sede
de música. Se ficasse 24 horas por
dia tocando, talvez já tivesse enjoado. E a habilidade no violão me
deu muita leveza nos movimentos. Às vezes, meus pacientes dizem que nem sentem quando eu
aplico uma anestesia."
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