|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARNALDO JABOR
Precisamos aprender a negociar com os americanos
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães inovou
na diplomacia. Em vez do estilo
francês "ancien régime", em vez
de punhos de renda, sorrisos gelados, sacos puxados, ele partiu para a atitude americana: assumiu
uma posição clara de defesa dos
interesses nacionais.
Assim fazem os diplomatas anglo-saxões, diretamente ligados
ao comércio de seu país. Pinheiro
Guimarães foi demitido do Instituto de Relações Internacionais
não por desobediência, mas porque desejou que o Itamaraty fosse
pragmático, duro e corajoso, como os... americanos.
A Alca será um marco em nossa
história diplomática. Até agora,
diplomatas e ministros só debateram a favor dessa idéia gerada
em Washington, eliminando a hipótese de recusá-la. Dizemos:
"Vamos namorando, noivando e,
se não quisermos, fugimos na porta da igreja". Parece liberdade,
mas estamos obedecendo à principal estratégia americana: a política da "cabecinha". Não queremos pôr tudo... Só a cabecinha...
Como eles brincam em Wall
Street: "Trust me means fuck
you". Como discutir com gente
para quem a legislação antidumping é intocável? Como discutir,
se acabam de aprovar uma lei no
Congresso que estende os subsidios à agricultura até 2011? Como
discutir, se eles já deixaram claro
que não abrem mão de taxas ecológicas ou sanitárias ?
Há pouco o diretor da CIA declarou que a agência existe hoje
para fazer espionagem industrial
e comercial. A meta atual dos Estados Unidos é fazer do Ocidente
uma grande economia sem fronteiras, com exceção das fronteiras
deles, claro. É o ideal do MAI
(Multilateral Agreement for Investment), o tratado que deseja os
Estados nacionais impedidos de
legislar sobre as corporações globais. Não há nada além disso.
Para nós, a diplomacia é a arte
do meneio; para eles, é uma linha
reta, bruta, mercantil.
Como notou Tocqueville, para
os americanos o comércio é uma
atividade heróica como a guerra.
Os navios yankees ganhavam na
competição porque não paravam
rapidamente nos portos, afrontavam tempestades, sofriam naufrágios para vender o chá mais
barato. Conversando com Pinheiro Guimarães e lembrando de minha pobre experiência de cineasta, quando mercadejei filmes com
eles, lembro algumas de suas técnicas de negociação.
Americano não trabalha com
cordialidade ou com esperança
de ser amado, como nós, que
acreditamos que o cafezinho ou o
papo ou o charme dobrarão os
oponentes.
Americano trabalha com a política do "bode na sala", como disse
o embaixador. Colocam uma exigência absurda, lutam por ela e,
quando recuam, apenas chegaram aonde queriam desde o início. Exemplo? Fingiram forçar a
Alca para 2002 e acabaram "concordando" com a Alca em 2005,
onde sempre esteve. Nós achamos
que foi uma "conquista". É o "bode na sala". Quando tiram o bode, o alívio parece uma vitória.
Os americanos, desde a fundação, se acham a nação predestinada a dominar o mundo. Isso
lhes dá uma fé, uma voracidade
altaneira, difícil de vencer em negociações. Não admitem a hipótese de perder. E, quando perdem,
partem para retaliações comerciais e, se preciso, bélicas. Já começaram a falar mal da Embraer,
num prenúncio ameaçador.
Os americanos se acham superiores a todo mundo. Nós, os pobres latinos, somos "complexados", temos por eles um grande
temor reverencial, somos seus fãs
secretos, somos antropófagos ao
contrário: queremos ser comidos.
Os americanos inventaram o
mito do pan-americanismo, da
"boa vizinhança", de que estamos
no mesmo barco do Ocidente,
mas na verdade têm um grande
desprezo por nós.
Ocultam isso e sabem, como
ninguém, cooptar nossas elites
deslumbradas, tanto as comerciais como as intelectuais.
Americano, repito, considera o
comércio uma atividade militar.
Há pouco, na crise asiática, quando o Japão imaginou criar uma
espécie de FMI regional, Robert
Rubin e Larry Summers voaram
correndo num jato militar para
impedir esse ganho de poder para
os japorongas. Falaram disso
comparando sua atitude comercial com a guerra do Vietnã.
Os americanos criaram uma sociedade impessoal, uniforme.
Trabalham como um time e têm
a coalizão de formigas. Para eles
o detalhe é tão importante quanto o todo. Mas, para nós, dividem
as questões com grande formalismo jurídico, dividem sempre, para provocar dispersão. Assim, fazem "cross colateralization" para
nós, que ficamos amarrados em
obrigações em cascata, enquanto
eles ficam defendidos por pontos
isolados. Exemplo: "Abram o
mercado", eles dizem. "Só se vocês
acabarem com sobretaxas", dizemos. "Ah... Uma coisa não tem
nada a ver com a outra", retrucam... E, se empombarmos, fazem
retaliações "colateralizadas".
Os americanos trabalham também pela divisão do inimigo.
Sempre que surge uma potência
numa região, eles apóiam o segundo, o concorrente. Por exemplo, Argentina e Chile, já preparados para nos trair.
Para os americanos, protestantes, amantes do lucro e da riqueza, a vitória é orgulho, honra. Para nós, a vitória traz culpa, medo.
Eles amam o sucesso. Nós, católicos educados para a obediência e
dependência do Rei, cultivamos o
fracasso, flor inculta e ibérica.
Lá, todos os aparelhos do Estado, desde o presidente até os faxineiros do Capitólio, democratas
ou republicanos, tudo visa a fazer
comércio, a vender produtos, a
conquistar mercados. Nós, para
disfarçar nosso medo colonial,
nossa passividade, consideramos
a política uma coisa "abstrata",
achamos o comércio até uma atividade "pouco nobre", impura
para bacharéis e subliteratos.
Eles, por seu lado, também falam em abstrações e generalidades ideológicas, mas só para dissimular a busca incessante de lucro
e poder. No World Bank e no FMI
falam em "bem comum", em
"saúde" da economia ocidental,
para impor segurança a seus interesses internacionais. Nosso destino está em jogo. Podemos morrer
na praia do século 21.
Para negociar com os americanos, precisamos urgentemente
aprender a negociar como os
americanos.
Texto Anterior: Teatro: Clarisse Abujamra e Milhem Cortaz iniciam ciclo sobre o papel do ator Próximo Texto: Panorâmica - Música: Sinfônica do Estado faz audição para coro Índice
|