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São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2003

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O cineasta israelense Amos Gitai reflete no cinema sua experiência num campo de batalha

Guerra sem fim

Divulgação
"O Dia do Perdão", que narra episódio da Guerra do Yom Kippur



"O Dia do Perdão", lançado amanhã no Brasil, retrata o cotidiano de jovens que lutaram em conflito em Israel


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta Amos Gitai, 52, fala da guerra na primeira pessoa.
"Eu era estudante de arquitetura quando a Guerra do Yom Kippur começou [em outubro de 1973]. Como todos os israelenses, fui chamado para o Exército. De repente, me vi num helicóptero de resgate, transportando homens queimados e feridos. E o helicóptero foi atingido por um míssil."
Dois jovens amigos envolvidos numa cena semelhante estão em "O Dia do Perdão", filme de Gitai que estréia amanhã no Brasil.
"Levou muito tempo para que eu conseguisse transportar isso para a tela. Foram quase 20 anos fazendo longas documentais e de ficção, até que eu dissesse a mim mesmo que conseguiria fazer um filme sobre esse episódio", diz.
A maior preocupação do cineasta não era com o desconforto de reviver suas piores memórias, mas com o desafio de encontrar um tom cinematográfico apropriado para abordar a guerra.
"Muitos filmes de guerra nos oferecem uma imagem fictícia do que é uma guerra. Eles a descrevem como algo muito organizado. Temos uma bela paisagem e uma coluna de tanques que avançam. Mas a guerra não é isso. É um grande acontecimento caótico", afirma Gitai.
Descrever cinematograficamente o caos foi uma "contradição" que interessou o cineasta. "A grande questão é: como a "mise-en-scène" que é, a priori, uma forma de ordenar a imagem, pode descrever imagens não-organizadas?"
O diretor teve também como imperativo fugir da glamourização da guerra. "É preciso admitir que o cinema não é a realidade, mas sim uma representação. Não questiono a legitimidade ou não de mostrarem as coisas da maneira que as pessoas queiram ver.
"O que lamento é que não tenhamos uma iconografia desse fato brutal que é a guerra como ela é. Somos levados por uma espécie de falso heroísmo, de glamour. E a vida é bem menos glamourosa do que isso", afirma.
Gitai diz que "é preciso lembrar às pessoas excitadas em lançar a próxima guerra o que foi a guerra anterior, para ver se isso lhes dá um pouco menos de vontade de se entregar a esse exercício".
"A arte, se é que podemos chamar o cinema de arte, tem dupla função -a de comentar e a de lembrar, mas com todo o poder que os recursos do cinema oferecem, ou seja, não se contentando em ser um filminho didático", diz.
Em "O Dia do Perdão", o diretor diz que pretendeu fazer "não um resumo da Guerra do Yom Kippur, com todos os seus personagens ilustres, mas lançar um olhar sobre uma realidade restrita -sete ou oito homens numa caixa metálica que é um helicóptero-, na tentativa de compreender algo específico".
"O perigo com o Oriente Médio é que se trata de uma região bombardeada por porta-vozes oficiais, pagos ou não pelos diferentes regimes, que divulgam generalizações (digo generalizações, não mentiras) e, ao final, não compreendemos nada. Sabemos apenas que há um conflito", afirma.
Ao filmar "O Dia do Perdão", o diretor assumiu a possibilidade de alterar o roteiro do longa durante as filmagens e investiu na preparação física dos atores, para que eles estivessem aptos a improvisar, mesmo em condições climáticas desfavoráveis.
"Contei com um elenco que, além de muito talentoso, se dispôs a buscar soluções junto comigo. Um dia, filmávamos nas colinas do Golã, fazia frio, ventava, chovia, estávamos todos molhados, e eu lhes perguntei se deveríamos interromper. Eles me responderam que não e, nesse dia, saiu a cena do atoleiro. Acho que, às vezes, os atores têm necessidade de trabalhar contra os elementos da natureza, contra um contexto", diz o cineasta.
"O Dia do Perdão" foi finalizado em 2000 e concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes. Desde então, Gitai conclui dois outros longas -"Eden" e "Kedma"- assinou um dos episódios do filme coletivo "11 de Setembro" e finaliza este ano "Alila".


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