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CINEMA
"Vitória do bem é a denúncia", diz Nelson Pereira dos Santos, cujo novo filme, "Brasília 18%", estréia nesta sexta
"O máximo que se pode fazer é denunciar"
Divulgação
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O diretor entre Malu Mader e Riccelli; filme estréia nesta sexta-feira |
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O cineasta Nelson Pereira dos
Santos desembarcou em Brasília
junto com o governo Luiz Inácio
Lula da Silva, no início de 2003.
Pretendia filmar, sob encomenda de um canal de TV francês, os
cem primeiros dias do ex-operário Lula da Silva no poder, para
um documentário histórico.
O projeto não foi adiante, mas o
cenário de Brasília fez o cineasta
recordar que tinha na gaveta um
roteiro (ou melhor, 1/4 de roteiro)
com uma história ambientada ali.
"Brasília 18%" saiu do papel e
chega às telas na próxima sexta. O
fio da história, que existia desde o
início, é o desaparecimento de
uma assessora parlamentar que
namora um cineasta.
Quando um corpo é encontrado
-no auge da seca e da baixa umidade (18%), época em que afloram os cadáveres de Brasília-, a
trama move de Hollywood para o
Distrito Federal um legista encarregado de determinar se a ossada
pertence à jovem desaparecida.
Mantido esse mote, Nelson Pereira recheou seu filme com uma
crônica da atualidade política do
Planalto Central. Em torno da jovem assessora Eugênia (Karine
Carvalho), do legista Olavo Bilac
(Carlos Alberto Riccelli) e do cineasta Augusto dos Anjos (Michel Melamed), abre-se um enredo de corrupção, suborno, festas
de lobistas, sexo casual e CPIs.
Além de Bilac e Dos Anjos, outros expoentes da literatura brasileira emprestam seus nomes aos
personagens de Nelson Pereira,
eleito em março
passado imortal da
Academia Brasileira de Letras.
"A idéia é buscar
grandes nomes do
passado para nomear figuras de
baixo nível do presente", diz o cineasta sobre sua
escolha.
A seguir, o cineasta fala de sua
descrença na punição de crimes do
colarinho branco.
"O máximo que se
pode fazer no Brasil é denunciar e
repudiar moralmente."
Aos 77, Nelson
Pereira dos Santos
define-se como
"um homem do
século 19", que não
terá tempo de ver
"um futuro mais bonito, mais
limpo", embora "não tenha dúvida de que isso vai acontecer".
Folha - O sr. usa uma mulher como pivô de um escândalo político
em seu filme. Atrás de todo escândalo em Brasília há uma mulher?
Nelson Pereira dos Santos - Em
toda guerra também, desde Tróia.
Folha - Em seu filme, a pivô do escândalo tenta denunciar um esquema de corrupção e desaparece. Redutos de honestidade tendem ao
desaparecimento?
Pereira dos Santos - Ela é a personagem incógnita; é conhecida
pelo que dizem dela. Quando aparece, pode ser uma invenção.
É um personagem inventado
por outro personagem [o legista]
e pelo roteirista também. A idéia é
deixar essa incógnita, principalmente se está viva ou não.
O médico está sempre perguntando: Cadê a minha juventude?
Cadê o amor? Cadê a mulher? Cadê Brasília? Cadê a ética? Cadê a
esquerda? Cadê muitos valores
que foram massacrados?
É só escolher o que cada um está
procurando e você tem a visão de
alguma coisa que foi violentada
nesse processo histórico.
Folha - O sr., imortal da ABL, dá o
nome de Machado de Assis no filme
a um deputado corrupto, incapaz
de formular um discurso. Por quê?
Pereira dos Santos - A idéia é
buscar grandes nomes do passado para nomear figuras de baixo
nível do presente. Nessa contradição, é possível ter uma sensação
rápida de como perdemos.
O processo [de escolha dos nomes] foi totalmente aleatório. O
primeiro personagem [o médico-legista] foi Olavo Bilac, porque tinha [um livro de] Bilac por ali. O
segundo foi José de Alencar, mas
esse não entrou em campo, porque é o nome do vice-presidente.
Machado eu estava poupando,
como poupei também o meu preferido, Castro Alves. Mas, depois
dos acontecimentos do PT, eu
disse: "É esse". Para a coisa ser
mais violentamente contraditória, chocante, escandalosa: "Machado de Assis vai depor na CPI".
Folha - Segue a mesma idéia a
transformação dos versos de "Canção do Exílio" em "minha terra tem
dinheiro onde canta o dinheirô"?
Pereira dos Santos - Esse texto é
do [ator] Michel Melamed. Passei
a bola para ele, por causa da idade. Ele é um jovem dramaturgo,
que tem sensibilidade para tratar
desse assunto. Eu sou do século
19, ia tratar de uma forma enfática, da denúncia da corrupção. Ele
é inventivo e comunica com mais
força a idéia dessa denúncia.
A vitória do bem, no caso, é a
denúncia. O máximo que se pode
fazer no Brasil é denunciar e repudiar moralmente. Prender senador é sonho de uma noite de verão na sociedade brasileira.
Folha - A sucessão de denúncias
não termina por anestesiar a opinião pública? Não é isso que explica a popularidade do presidente
Lula da Silva, mesmo com tantas
denúncias contra seu governo?
Pereira dos Santos - Vamos falar
do filme, não da política brasileira. Não tenho nenhuma autoridade para conversar sobre isso. Mas
acho que, apesar de tudo o que está acontecendo, há uma coisa importante, que são as instituições
democráticas preservadas.
Esse é o básico para que as coisas melhorem e avancem: a harmonia entre os poderes, a democracia, a Constituição
funcionando. Ao
longo da minha vida, vi golpes de Estado em razão de
corrupção.
Todo golpe de
Estado no Brasil
partiu da corrupção. Havia a denúncia, e um salvador da pátria aparecia dizendo: "Vamos acabar com a
corrupção e resolver a economia".
Vinha um golpe de
Estado e nós todos
pagávamos o pato.
Folha - O sr.
apoiou o governo
Lula no início. Qual
sua posição hoje?
Pereira dos Santos - Votei no Lula.
Folha - Como se
sente o eleitor?
Pereira dos Santos - Seria bom
que todo eleitor tivesse consciência de que ele é o principal agente
da democracia. Na hora de votar,
tem de pensar 500 vezes, para deixar de ser otário. Não adianta reclamar depois. Tem de pensar antes. Vamos ver o que é oferecido.
Qual é o panorama [nas eleições].
Folha - A esquerda ainda existe?
Pereira dos Santos - Estou perguntando. Saí da esquerda há
muitos anos. Havia ainda uma
mobilização. Depois, com tudo isso que aconteceu, pulverizou-se.
Prefiro a outra pergunta: onde está minha juventude? A esquerda
tanto faz que eu perdi. Mas perdi a
minha juventude...
Folha - A capacidade de sonhar?
Pereira dos Santos - De sonhar e
de amar, de ter aquela mulher linda. É essa a idéia básica. O filme é
uma história de amor.
Folha - Pelo que sugere seu filme,
a culpa está indo para os artistas?
Pereira dos Santos - A idéia do
artista [no filme] é que ele está
preso. Os recursos para a cultura,
para a produção da criação são escassos. E também há toda a prisão
da censura, as limitações. Há uma
censura imanente. A oficial, legal,
dizem que acabou.
Mas nossa sociedade é do tempo que a Igreja fazia parte do Estado. Você acaba sendo o responsável. Se faço um filme sobre prostituição infantil, a culpa é minha.
Fiz "Rio, 40 Graus" com os meninos pobres, descalços. Proibiram
o filme e queriam me prender.
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