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FERNANDO BONASSI
Monólogo da fritura
Invocaram com nosso nome e nos meteram em inquéritos que a polícia tinha esquecido
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VIVIA ESQUECIDO e aposentado
desses ares condicionados
quando ouvi ao vento o velho
chamado patriótico, ou psicótico, da
política...
Fui chamado como se fosse o único do eleito, ungido por "Ele" mesmo como o maior dentre os competentes e nomeado diligentemente
para trabalho dos mais estafantes.
Em cerimônia extravagante, ganhei um cargo de confiança, um encargo espinhoso e um salário garantido para o desafio gigantesco e escandaloso de acordar a esperança de
um gigante adormecido.
Recebi as chaves de um apartamento decorado, ganhei verbas para
representação de interesses acertados e passagens para aviões abastecidos com assessores concursados e
especializados em me proteger de
qualquer má exposição em que minha atuação pudesse aparecer.
Pra mim até que seria tudo de
bom, não fosse nada mais que muito
ruim o fato de ninguém estar imune
ao aumento das temperaturas que
certas posições obscuras têm o dom
de propagar entre os críticos do nosso estilo.
Assim começam a juntar os ingredientes de sua culinária astuta e
maldita...
Primeiro nos exibem como vagabundas, com cabelos engraçados,
olheiras profundas e poses superficiais em reuniões de especialistas.
Depois, alguns especialistas são presos, desautorizados ou desqualificados em imagens esquisitas, mas onde aparecem ao nosso lado, como
papagaios do que deveríamos fazer
em seu lugar.
Errar, assim, até que erramos, mas
errávamos enquanto tentávamos
aquecer ou destravar esse tal de desenvolvimento, cuja promessa dá
água na boca, mas a memória, dor de
estômago e no pensamento.
No âmago disso tudo, invocaram
com nosso nome vão e nos meteram
em inquéritos que até a polícia tinha
esquecido de procurar; justo nós
que nem tínhamos mais culpas para
administrar com esses prescritos
crimes hediondos...
Os jornalistas arrivistas que imploravam por "exclusivas" sequer
nos questionam em coletivas e,
quando nos vêem cada vez mais magros e abatidos, ainda evitam nos
olhar com o devido respeito, como
se fôssemos tipos suspeitos, ou que
estivéssemos doentes, com uma gripe renitente de se tossir, um troço
que se marina para poder se engolir.
Acontece que os uísques para
temperar essa situação não são os
mesmos de tantos anos, os salgadinhos são gordurosos como os planos
requentados que são apresentados e
quando os canapés estão servidos,
desaparecem num instante, como se
todo coquetel importante fosse freqüentado por celebridades de baixo
escalão.
Não nos convidam para reuniões
urgentes, há gente que nos corta da
agenda, nos risca do mapa e deleta
nossas mensagens como se não tivéssemos nada a dizer sobre tudo o
que se passa e nos passa por cima...
Fomos é muito bem passados nessa espécie de banho-maria dos condenados, nos untaram com os óleos
dos proscritos, nos forraram com
queijos e com vinhos importados como se fôssemos gansos assassinados
para o patê dos frescos... Estes últimos são sempre os primeiros a vir
cheirar o vapor inebriante que nos
derrete e descarna a todos em fogo
brando, só esperando chegar a hora
de abocanhar a fritura da nossa carne imatura, mas muito desejada...
Porque nos procuram e desejam
como feras! Ah, sim! Têm água na
boca! Nunca deixaram de nos querer! Se antes nos queriam para trabalhar, partilhar e cooperar num esforço de equipe, agora querem nos descartar de todos os times, nos jogar
numa espécie de reserva, de esquife
ou de vitrine onde vêm admirar
aqueles que neles causam repug-
nância.
E se repugnam me repugnando!
Repugnam-se tanto porque, ao nos
repugnar, repugnam uns aos outros
como a si mesmos, já que estamos
aqui a representar os seus próprios
-dentre os nossos- interesses mais
difíceis, contraditórios ou escusos
mesmo...
Como ninguém pode nos perdoar,
nos amam com esse amor de odiar!
Amor não se escolhe, mas se pode
desquitar... Ou demitir!
Demitir, não nos demitem... Preferem nos apartar, silenciar e denegrir
para depois, com a nossa mudez e
nudez expostas, nos esfolar, moer e
torrar até explodir. E enquanto explodem de tanto rir, nós é que somos
os palhaços crucificados pelos bens
do picadeiro...
Não se iludam os herdeiros mais
otários com essas mágicas que nos
fazem desaparecer! Por incrível que
possa parecer, os donos do circo serão sempre os mesmos. E nada como
um dia após o outro para digerir esse
eterno retorno...
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