São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Análise/"A Gramática da Emília"

Nova edição traz ilustrações sem ludicidade

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Baderna, berzundela, brincadeira, festa, folgança, folia, galhofa, opa, pagode, patuscada, rega-bofe são sinônimos de reinação, segundo o Houaiss.
Tudo o que Narizinho, Pedrinho, Emília, o Visconde de Sabugosa (com as reservas devidas a um digníssimo Visconde), Dona Benta e Tia Nastácia fazem o dia inteiro, e todos nós gostaríamos de passar a vida fazendo. Reinando, fazendo de conta. Inventando mentiras e saindo do rumo, como é "divertir-se", sair da versão.
Monteiro Lobato foi o primeiro escritor brasileiro a escrever não para as crianças, ou seja, tratando-as como futuros adultos que devem aprender o que só nós sabemos, mas como e com as crianças, num mundo em que fazer de conta não é um jeito de aprender nada, mas é o próprio mundo. Não aquilo que deveríamos ensinar a elas, mas o que deveríamos aprender com elas.
Não é à toa que, entre as criações mais geniais de Lobato, está "A Gramática da Emília", em que ela viaja ao país da gramática e solta maravilhas como esta: "Mas que relação há entre o nome Quindim, tão mimoso, e um paquiderme cascudo destes? -perguntou o menino. A mesma que há entre a sua pessoa, Pedrinho, e a palavra Pedro -isto é, nenhuma. Nome é nome, não precisa ter relação com o "nomado". Eu sou Emília, como podia ser Teodora, Inácia, Hilda ou Cunegundes..."
Ou então Lobato contando sobre Emília a Anísio Teixeira, um dos maiores educadores do país: "Inda agora fiz a entrevista de Emília, na qualidade de repórter do Grito do Picapau Amarelo, um jornal que ela vai fundar no sítio, com o Venerabilíssimo verbo SER, que ela trata respeitosamente de Vossa Serência!"
A gramática de Emília é como a língua que Lobato criou em seus livros infantis: uma gramática da "Serência", dos nomes que se dá porque gosta, porque quer e porque a gente é a língua que fala. "Gramáticos, filólogos e lexicógrafos são carrancas", dizia ele. "Acho a criatura humana muito mais interessante no período infantil do que depois de idiotamente tornar-se adulta." É uma pena, portanto, que, ao relançar a obra completa de Monteiro Lobato, a editora Globo tenha resolvido ilustrar os livros "para" as crianças e não "com" elas.
São ilustrações exatamente opostas à proposta do autor: infantilizantes, didáticas, sem a ludicidade do faz de conta. A edição das obras infantis, como um todo, peca por esse paradoxo em relação à filosofia do autor. Lobato fez livros onde as crianças podem morar, como ele mesmo dizia. Infelizmente, a editora Globo fez livros domesticados, não para a criança reinar, mas para os adultos continuarem comandando.


Texto Anterior: Análise/obra adulta de Lobato: Reedição enriquece reflexão sobre autor, mas acumula erros
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.