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TV
A estudantes, Lauro César Muniz afirma que Globo foi pressionada a mudar "O Salvador da Pátria", "considerada apologia a Lula"
Autor diz que "Brasília interferiu em novela" da Globo
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O roteirista Lauro César Muniz
afirmou que teve de mudar a história de "O Salvador da Pátria"
(1989), de sua autoria, porque
"houve uma interferência direta
de Brasília na cúpula da Globo".
A trama, exibida no horário nobre, de janeiro a agosto de 89, contava a história de um analfabeto,
Sassá Mutema (interpretado por
Lima Duarte), que se envolvia
com a política e ganhava projeção
nacional. Segundo Muniz, foi
considerada "por algumas pessoas do governo" uma apologia à
candidatura do petista Luis Inácio
Lula da Silva à Presidência.
A declaração foi dada por Muniz anteontem, no teatro-laboratório da Escola de Comunicações
e Artes da USP, durante a comemoração do aniversário de dez
anos e da reinauguração do Núcleo de Pesquisa de Telenovela.
O encontrou reuniu autores,
professores e alunos da USP para
debater a aproximação entre a telenovela e a universidade.
Guilherme Cerqueira César, 19,
estudante do segundo ano do curso de audiovisual da ECA, perguntou aos autores (além de Muniz, estavam presentes Silvio de
Abreu e Maria Adelaide Amaral)
se, na década de 80, "quando o
Brasil vivia um período de redemocratização, as novelas -que
chegavam a dar 80% de audiência- não poderiam ser menos
alienadas e mais voltadas à emancipação política e social do país".
Muniz disse que sempre houve
e ainda há muitas tentativas de escrever tramas mais ligadas à política. "Há novelas de esquerda
mesmo, como muitas de Dias Gomes." Mas, segundo ele, mesmo
depois do fim da censura oficial
do governo, os autores ainda encontravam dificuldades em tratar
desse assunto nas novelas.
"Em 1989, já não havia mais a
censura formal, mas houve uma
interferência direta de Brasília na
cúpula da Globo. Era o primeiro
ano de eleições diretas, Lula contra Collor, e acharam que o Sassá
Mutema fazia apologia à esquerda. Assim, acabou vindo uma
pressão na emissora para que a
trama fosse mudada. Cheguei a
ouvir, nos bastidores, "o autor
desse novela vai eleger o presidente do Brasil". Tive de abandonar o aspecto político da história e
focalizar apenas o policial [Sassá
era suspeito de ter cometido um
duplo assassinato"", respondeu
Muniz ao estudante.
O autor, que é contratado da
Globo e criador da Associação de
Roteiristas de Televisão, falou
que, além de "Brasília", recebeu
críticas também do Partido dos
Trabalhadores. "Lembro que a
Erundina [hoje deputada federal
do PSB, na época, prefeita de São
Paulo pelo PT] reclamava. Achava que estávamos satirizando o
Lula, porque o Sassá era ingênuo
e chegou a fazer muitas concessões aos poderosos."
Sobre as declarações de Muniz,
a Central Globo de Comunicações
afirmou que "não poderia comentar porque, em 89, a Globo
estava sob outra direção". Na
época, a emissora era comandada
por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Hoje, a diretora-geral é Marluce Dias da Silva. A
assessoria de imprensa de Boni
não foi localizada pela Folha.
O evento de anteontem comemorava a inauguração da nova sede no Núcleo de Pesquisa de Telenovela.
A antiga, com praticamente todo o acervo, foi destruída no incêndio que atingiu um prédio da ECA, em outubro do ano passado. Um novo acervo está sendo
montado com doações e conta com o apoio da TV Globo.
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