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Crítica/"Super Crunchers"
Estudo vê vida humana gerida por computadores perfeitos
Autor diz que estatísticas transformam atividade humana em jogo de cartas marcadas
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Não é prudente confiar
demais em estatísticas. Juntam alhos com
bugalhos, são incapazes de levar em conta eventos imprevisíveis, e podem justificar todo
tipo de conclusão enganosa ou
desonesta.
Para Ian Ayres, professor em
Yale e colunista da revista
"Forbes", está muito atrasado
no tempo quem ainda tem esse
tipo de opiniões. Com o aumento da capacidade dos computadores, a estatística faz milagres hoje em dia.
Exemplos em série, calculados milimetricamente para
deixar o leitor boquiaberto, formam a espinha dorsal de "Super Crunchers [devoradores de
números]: Por Que Pensar com
Números É a Melhor Forma de
Ser Inteligente".
Foi-se o tempo em que as
máquinas podiam competir
com humanos apenas no xadrez. O autor mostra que, com
uma fórmula envolvendo poucas variáveis, o pesquisador Orley Ashenfelter pode estimar
com mais segurança que qualquer enólogo renomado o valor
e a qualidade de determinado
vinho.
Outros computadores foram
capazes de prever, com mais
confiabilidade do que uma respeitada equipe de raposas jurídicas, os veredictos da Suprema
Corte americana. Sintomas esquisitos de um paciente foram
melhor diagnosticados pelo
"google" do que por médicos.
É como se, graças à imensa
quantidade de dados disponíveis a respeito de qualquer assunto imaginável, toda atividade humana estivesse se transformando num jogo de cartas
marcadas.
Quer saber qual o melhor título para seu futuro romance?
Um site contabiliza as características de milhares de best-sellers ao longo do tempo para
ver se a sua proposta tem chance de funcionar.
Qual o melhor formato para
o seu site de vendas na internet? Uma empresa lança alguns modelos na rede, e classifica os melhores resultados.
Erros humanos
Claro que as previsões não
são infalíveis. Mas Ian Ayres cita diversos testes provando que
especialistas humanos erram
mais do que as estatísticas, na
maior parte das vezes.
Há muito de assustador nas
perspectivas anunciadas com
feliz loquacidade por este livro,
de fácil compreensão mesmo
para aqueles que são nulos em
matemática.
Imagine, por exemplo, a
quantidade de informações que
você deixa para ser manipulada
quando usa um cartão de crédito. "Eles" são capazes de saber
mais do que você os próximos
livros ou bugigangas que estará
inclinado a comprar.
Pior: sabem quanto precisam
oferecer de desconto para que
você morda a isca; reservarão
descontos maiores para consumidores mais ariscos do que
você. A própria idéia de um
"preço universal", válido para
todo o mercado, tenderia no limite a desaparecer.
Não apenas os produtos, mas
os próprios preços seriam "customizados" conforme o perfil
de cada freguês. O mesmo já
acontece com seguros de carros, como todos sabem; poderá
acontecer, um dia, com multas
e penas criminais.
Naturalmente, o maravilhoso mundo dos "super crunchers" oferece defesas inauditas para o consumidor.
Analisando milhões de compras de passagens aéreas, um
site americano orienta os interessados quanto ao dia e à hora
mais indicada para obter ofertas das companhias. E até oferece um bônus em caso de previsão errada.
Análises de dados não são a
pedra filosofal, reconhece Ayres com certa relutância. Tudo
depende da criatividade humana em formular as hipóteses
que serão testadas.
"Super Crunchers" é um livro tão persuasivo quanto
"Blink", de Malcolm Gladwell,
que defende uma tese oposta: a
de que a intuição instantânea
dos peritos chega a decisões
mais corretas do que qualquer
fórmula matemática. Resta esperar mais pesquisas para saber qual dos dois autores tem
razão -e em que casos escolher
entre um ou outro.
SUPER CRUNCHERS
Autor: Ian Ayres
Tradução: Marcelo Barbão
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 34,90 (256 págs.)
Avaliação: bom
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