São Paulo, sábado, 17 de maio de 2008

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Crítica/"Super Crunchers"

Estudo vê vida humana gerida por computadores perfeitos

Autor diz que estatísticas transformam atividade humana em jogo de cartas marcadas

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Não é prudente confiar demais em estatísticas. Juntam alhos com bugalhos, são incapazes de levar em conta eventos imprevisíveis, e podem justificar todo tipo de conclusão enganosa ou desonesta.
Para Ian Ayres, professor em Yale e colunista da revista "Forbes", está muito atrasado no tempo quem ainda tem esse tipo de opiniões. Com o aumento da capacidade dos computadores, a estatística faz milagres hoje em dia. Exemplos em série, calculados milimetricamente para deixar o leitor boquiaberto, formam a espinha dorsal de "Super Crunchers [devoradores de números]: Por Que Pensar com Números É a Melhor Forma de Ser Inteligente".
Foi-se o tempo em que as máquinas podiam competir com humanos apenas no xadrez. O autor mostra que, com uma fórmula envolvendo poucas variáveis, o pesquisador Orley Ashenfelter pode estimar com mais segurança que qualquer enólogo renomado o valor e a qualidade de determinado vinho.
Outros computadores foram capazes de prever, com mais confiabilidade do que uma respeitada equipe de raposas jurídicas, os veredictos da Suprema Corte americana. Sintomas esquisitos de um paciente foram melhor diagnosticados pelo "google" do que por médicos.
É como se, graças à imensa quantidade de dados disponíveis a respeito de qualquer assunto imaginável, toda atividade humana estivesse se transformando num jogo de cartas marcadas.
Quer saber qual o melhor título para seu futuro romance? Um site contabiliza as características de milhares de best-sellers ao longo do tempo para ver se a sua proposta tem chance de funcionar. Qual o melhor formato para o seu site de vendas na internet? Uma empresa lança alguns modelos na rede, e classifica os melhores resultados.

Erros humanos
Claro que as previsões não são infalíveis. Mas Ian Ayres cita diversos testes provando que especialistas humanos erram mais do que as estatísticas, na maior parte das vezes. Há muito de assustador nas perspectivas anunciadas com feliz loquacidade por este livro, de fácil compreensão mesmo para aqueles que são nulos em matemática.
Imagine, por exemplo, a quantidade de informações que você deixa para ser manipulada quando usa um cartão de crédito. "Eles" são capazes de saber mais do que você os próximos livros ou bugigangas que estará inclinado a comprar.
Pior: sabem quanto precisam oferecer de desconto para que você morda a isca; reservarão descontos maiores para consumidores mais ariscos do que você. A própria idéia de um "preço universal", válido para todo o mercado, tenderia no limite a desaparecer.
Não apenas os produtos, mas os próprios preços seriam "customizados" conforme o perfil de cada freguês. O mesmo já acontece com seguros de carros, como todos sabem; poderá acontecer, um dia, com multas e penas criminais.
Naturalmente, o maravilhoso mundo dos "super crunchers" oferece defesas inauditas para o consumidor. Analisando milhões de compras de passagens aéreas, um site americano orienta os interessados quanto ao dia e à hora mais indicada para obter ofertas das companhias. E até oferece um bônus em caso de previsão errada. Análises de dados não são a pedra filosofal, reconhece Ayres com certa relutância. Tudo depende da criatividade humana em formular as hipóteses que serão testadas.
"Super Crunchers" é um livro tão persuasivo quanto "Blink", de Malcolm Gladwell, que defende uma tese oposta: a de que a intuição instantânea dos peritos chega a decisões mais corretas do que qualquer fórmula matemática. Resta esperar mais pesquisas para saber qual dos dois autores tem razão -e em que casos escolher entre um ou outro.


SUPER CRUNCHERS
Autor: Ian Ayres
Tradução: Marcelo Barbão
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 34,90 (256 págs.)
Avaliação: bom



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