São Paulo, domingo, 17 de maio de 2009

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Museu em casa


Obras de arte confundidas com sofás ou varridas para debaixo do tapete como se fossem lixo: como são as casas dos aficionados que dividem espaço com dezenas de quadros, esculturas e instalações


Marisa Cauduro/Folha Imagem
PINTANDO O SETE
Na casa de Fernanda Feitosa, crianças e obras de arte convivem em harmonia


O cenógrafo José Marton, 42, mora sozinho. Mesmo assim, se dá ao luxo de acordar com Leda Catunda, tomar café da manhã com Vik Muniz, tomar banho com Marepe e, antes de sair para trabalhar, ganhar um bom-dia de Iran do Espírito Santo e de Rosângela Rennó.

 
Não, ele não transformou seu apartamento de 260 m2, nos Jardins, em uma hospedaria. Mas enche a boca na hora de falar que mora com obras assinadas por todos esses artistas plásticos e tantos outros de renome internacional.
 
"É muito bom viver rodeado por energias e pensamentos diferentes", diz Marton, que tem cerca de cem obras espalhadas pela casa, sendo 33 em um único quarto. Outras 300 tiveram de ser realocadas para o escritório na Barra Funda e para um depósito.
 
"Quero comprar um outro apartamento para poder expandir a coleção, mas tenho mais impulso em comprar arte do que um imóvel", diz Marton, que vive de aluguel.
 
Na casa da advogada Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte, inaugurada na quarta-feira, a coleção de mais de 350 obras de artistas como Tunga, Adriana Varejão, Pancetti e Iberê Camargo começou justamente com a necessidade de preencher as paredes vazias. "A gente foi gostando e se envolvendo cada vez mais. Com o tempo, foi preciso aprender a revezar os quadros e a pendurar mais de um por parede", diz.
 
Mas o aproveitamento espacial teve de ir além. Hoje, na casa de 600 m2, há instalações de José Rufino sob a escada, esculturas de Amilcar de Castro na beira da piscina, fotos de Thomaz Farkas no lavabo e quadros de Aguilar no quarto do filho João Guilherme, 11.
 
"Nunca imaginei que fosse colocar uma obra de arte no batente da porta, mas é melhor do que deixar dentro do armário", afirma ela, que garante nunca ter tido problemas com as crianças. "Eles sempre souberam respeitar."
 
Com boa parte de sua coleção formada por arte contemporânea espalhada pela casa, José Marton já teve de rebolar para sair de situações inusitadas com funcionários e convidados que não conseguiram reconhecer as obras. "Um dia, uma pessoa se sentou na poltrona asséptica do Iran do Espírito Santo [formada por dois retângulos de madeira pintados de branco e que fica na sala, como forma de provocação] achando que era parte do mobiliário. Desde então, coloco uma plaquinha indicando que se trata de uma obra", diz o colecionador.
 
Outra saia justa aconteceu com a empregada que, na melhor das intenções, varreu parte de uma obra do coletivo dinamarquês Superflex, uma cadeira recortada cujos pedaços ficavam espalhados pelo chão da sala de jantar. "Tive que recuperar as peças no lixo. De lá pra cá, ela me pergunta sobre qualquer papel amassado antes de jogar fora", conta, rindo.
 
Tamanho cuidado também faz parte da rotina da faxineira do casal de artistas plásticos Sandra Cinto e Albano Afonso. E não é para menos. No lar da dupla, até mesmo uma bandeja de café da manhã se transformou em obra de arte pelas mãos de Alice Ricci. Na porta da geladeira, o "puzzle" magnético é assinado por Julia Kater. E os espelhos que emolduram os interruptores de luz são criações de Reginaldo Pereira.
 
"Conviver com esses trabalhos é uma alegria. É como viver com uma parede de amigos", diz Sandra, que, por outro lado, não tem sequer um porta-retrato em casa. "Cada peça traz uma história, uma lembrança", completa ela, que incrementou sua coleção trocando obras com os amigos.
 
Poder relacionar sua história com a de cada quadro ou escultura é o que faz uma casa repleta de arte ter uma atmosfera completamente diferente de uma galeria.
 
Foi exatamente essa sensação que fez o arquiteto David Bastos deslocar boa parte da coleção que ele mantinha em Salvador, na Bahia -com obras assinadas por artistas como Siron Franco, Carybé, Cildo Meireles, Lasar Segall e Di Cavalcanti- para seu novo apartamento em São Paulo.
 
"Quis trazer peças conhecidas para me fazer companhia e dar um ar mais de casa", afirma ele, que preencheu as paredes do quarto com fotos de Christian Cravo, o banheiro com uma tela de 2 m2 de Joaozito e a entrada com uma foto de Tuca Reinés e uma família de Exu de Tatti Moreno. De novidades, ele só se permitiu colocar, por enquanto, obras de José Rufino e de Daniel Senise.
 
Há quem chegue a receber grupos para visitação. Na época de grandes exposições na cidade, Fernanda Feitosa costuma fazer jantares "para reunir amigos e amigos de amigos que querem ver as obras que temos. No começo, achei estranho, mas é muito comum. É a oportunidade de ver obras que não estão no museu", explica.
 
Sempre disposto a receber visitas guiadas, José Marton já tentou incluir sua casa no roteiro de exposições paralelas à Bienal. Foi vetado pela síndica do prédio. "Quem sabe um dia", diz. Enquanto isso não acontece, ele se contenta em emprestar suas obras para museus e galerias do mundo todo.

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Reportagem JULIANA BIANCHI


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