São Paulo, Segunda-feira, 17 de Maio de 1999
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MÚSICA
A gravadora Luaka Bop, de David Byrne, lança em junho, em vários países, mas não no Brasil, coletânea com 14 canções do grupo brasileiro
CD dos Mutantes chega só a ouvidos ianques

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Os Estados Unidos prosseguem em sua aventura de descobrir diamantes esquecidos no quintal brasileiro -é vez agora de o grupo sessentista Mutantes ir aos holofotes globais.
A gravadora Luaka Bop, do músico David Byrne -sempre ele-, lançará a coletânea "Everything Is Possible! - World Psychedelic Classics 1: Brazil: The Best of Os Mutantes", com 14 canções do grupo embaladas em capa psicodélica de estilizados verde e amarelo (veja foto e leia repertório ao lado).
A Folha teve acesso a um "advance" (pré-cópia de circulação não comercial) do CD, que chega em junho às lojas de várias partes do planeta, mas, como já é hábito, não às brasileiras.
Aqui, a indefinição prossegue. Segundo a Universal (ex-PolyGram), gravadora que detém os álbuns dos Mutantes, não há nada definido quanto a possível lançamento nacional do disco.
O mesmo ocorre com "Technicolor", LP inédito gravado pela banda na Europa, em 1971, e redescoberto pelo jornalista Carlos Calado no processo de confecção da biografia "A Divina Comédia dos Mutantes" (95). A Folha descreveu o conteúdo de "Technicolor" em reportagem de junho de 1998.
De início, o "Everything Is Possible!" de Byrne seria um álbum duplo, com a coletânea num CD e o advento, 28 anos atrasado, de "Technicolor" no outro.
O projeto foi barrado aqui. "Eles queriam, por eles mesmos, masterizar e criar capa para o álbum, com aquela mentalidade de americano, que acha que pode tudo", explica o jornalista Marcelo Fróes, que vem trabalhando no projeto "Technicolor" para a Universal.
Ele diz que, ainda assim, a novela deve terminar: "Os três Mutantes originais já assinaram o documento inicial para o lançamento de "Technicolor", o que faz com que um sonho vire agora um projeto".
"O disco vai sair, só depende de tempo para capa, masterização e alguns outros detalhes burocráticos." A Universal, por sua parte, prefere se calar quanto à data.

Tropicália globalizada
O interesse americano pelos Mutantes vem sublinhar a intensificação do projeto colonizador de Byrne, que já há cerca de dez anos transmite música brasileira para os EUA, primeiro lançando coletâneas de MPB e de Tom Zé, depois com um álbum inédito do mesmo, "The Hips of Tradition" (92).
Em 98, Byrne lançou outro disco de Tom Zé, "Com Defeito de Fabricação" (que só em abril passado chegou ao Brasil, pela Trama), detonando elogios generalizados pela imprensa de lá -a Tom Zé e ao tropicalismo como um todo.
Há poucos dias, a caixa de 12 CDs de Gilberto Gil "Ensaio Geral" (também da Universal, mas lançada antes aqui, no início do ano) chegou ao mercado deles. Em 9 de maio, mereceu reportagem extensa do "New York Times".
O texto classifica o LP "Gilberto Gil" (seu álbum tropicalista, de 68), como "um dos melhores álbuns de rock já gravados", mas, em geral, confina a caixa de Gil ao rótulo de "um dos melhores argumentos existentes para o conceito de world music".
A opinião dos tropicalistas históricos sobre a onda ianque de tropicalismo tem variado. Gilberto Gil afirmou à Folha que é um "processo natural de varredura histórica".
No "Estado de S. Paulo", Caetano Veloso classificou outro artigo do "New York Times", que tentava dar conta da história do movimento, como o melhor que já leu sobre a tropicália. Tom Zé escreveu que o artigo "é festivo, não é sério".
Em direção parecida vai a ex-Mutante Rita Lee, por e-mail: "Daqui a pouco a mídia americana vai escrever um tratado mirabolante sobre a feijoada e concluir que é apenas mais uma influência deles na cultura brasileira".
Dos Mutantes, o que chegará aos ouvidos americanos é um painel do intervalo de cinco anos (1968-72) no qual Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio foram o núcleo criativo da banda (que ainda continuaria, convertida ao rock progressivo, primeiro só com Arnaldo e Sérgio, depois só com Sérgio).
Byrne, compilador do material, privilegiou material de "Os Mutantes" (68), gravado no auge da tropicália. Seis de suas 11 faixas estão no CD: "Panis et Circenses", "A Minha Menina", "Maria Fulô", "Baby", "Bat Macumba" e "Le Premier Bonheur du Jour". De "Mutantes" (69), só aparecem "Dia 36" e "Fuga Nº 2 dos Mutantes".
De "A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado" (70), entram "Ando Meio Desligado", "Desculpe, Babe" e "Ave, Lúcifer". De "Jardim Elétrico" (71), "El Justiciero" e "Baby" (em inglês) -as duas são, originalmente, do abortado "Technicolor". De "Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets" (72), só entra "Cantor de Mambo". E o quintal vai sendo garimpado.


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