São Paulo, sábado, 17 de junho de 2000


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MÚSICA ERUDITA
Stanislav Bunin demonstra que pode mais do que sabe

ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

P or que Chopin? Cada pianista responde como sabe e pode. Stanislav Bunin pode mais do que sabe. Sua integral das "Baladas" e "Impromptus", terça no Cultura Artística, foi uma demonstração dessa potência, traduzida em velocidade e volume.
Ele tocou mais notas numa noite do que a maioria dos pianistas numa semana. É verdade que ficou devendo bom número delas, nos torvelinhos da "Balada nº 1" e de outras peças. Quando as coisas ficam difíceis, ele baixa a mão esquerda com força espetacular; baixa o pedal também, e a renda delicada e aristocrática de Chopin desaparece numa borrasca.
Nada disso chega a comprometer sua interpretação, porque não chega a ser incoerente com ela: seu Chopin é menos o poeta refinado das ambiguidades do que um visionário à procura de revelações. E as revelações se confundem com esse drama de gestos impetuosos, ataques à sensibilidade que a música acordou.
A organização do programa é uma evidência de que Bunin tem ambições mais altas. A sequência da primeira parte, intercalando duas "Baladas" e três "Impromptus", compôs uma progressão cromática das tonalidades, da tônica à dominante.
E a segunda parte fez o retorno, nos deixando a um passo de voltar ao início. É informação para especialistas, mas deve ser perceptível para o bom ouvinte. A música fez uma viagem circular.
Esse tipo de engenho formal não ganha muito espaço na arte de Bunin. Ainda bem: pois é um pianista mais impulsivo do que analítico. Infelizmente: pois seus impulsos nem sempre multiplicam os sentidos da música.
Boa parte do interesse (ou, para usar uma palavra do outro campo, da "mágica") das "Baladas" vem da apropriação da narrativa oral, da fábula popular, para a música sem palavras. E não foi sempre que essa dimensão literária das "Baladas" se deixou ouvir na sua interpretação. Também a heterofonia (o mesmo tema soando, fora de fase, em duas vozes), que é onde Chopin mais demonstra sua inspiração bachiana, não chegou a interessar.
Bunin teve momentos de grandeza. Nem sempre os mais exuberantes; até, talvez, o contrário. Seu "Impromptu nº 3" ou o início da "Balada nº 4" traduziram Chopin para um mundo de contornos menos definidos, suspenso em harmonias sem chão. E as explosões e tumultos foram impressionantes, a manopla esquerda tirando trombones do piano, e a direita, um vendaval.
A impressão é de que ele sabe menos do que pode. Pode-se admirar um pianista como Bunin, mas não é um músico que fica na memória, muito menos no coração (e não só pela antipatia pessoal, assinada com o gesto de fechar o tampo do piano logo após o bis, dado a contragosto). Não comoveu. Não iluminou. Foi mais um Chopin, entre os infinitos que cabem na música.


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