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Em apresentação, Gil repudia composições
DO ARTICULISTA DA FOLHA
No show histórico que Gilberto
Gil fez na Universidade de São
Paulo em 1973, que está sendo registrado em três CDs remasterizados por Paulo Tatit, ele repudia
composições antigas num surpreendente desabafo. Após tocar
"Procissão", o cantor comenta:
"É o exemplo de como o novo
pode ser velho. Essa música é velha, ingênua, incorreta, faz colocações que eu não faria hoje. O
verso "só acho que ele [Jesus] se
esqueceu de dizer que a gente tem
de arrumar um jeitinho de viver" é
um erro meu, provocado pela falha, uma ansiedade minha de servir, de denunciar".
Quando um estudante grita para ele tocar "Roda", Gilberto Gil
interrompe:
"É outra canção maniqueísta
que repudio. Eu estava engajado,
como em "Louvação". Não as rejeito, passei por ali. Só que hoje estou além. Ou aquém. São músicas
incorretas. A realidade hoje é outra. São idealistas, não são objetivas. Se não pode dizer a verdade
hoje, não diga".
A platéia insiste para ele cantar
"Domingo no Parque". Ele acaba
cedendo. Mas, ao final, diz:
"É uma música belíssima, mas
foi um equívoco a utilidade dela
como instrumento de transformação. Isso fica ineficaz de repente, não representa mais o que representou. Continua poeticamente forte, mas enquanto instrumento politico é perecível. É nisso
que vocês, como eu, precisam estar muito atentos".
Gil até então tinha cinco LPs
gravados. Voltava de um exílio
forçado. Abriu o show com uma
versão de mais de 11 minutos de
"Oriente": "Vim aqui porque os
meninos me pediram, sabe como
é. Fiz uma escolha de músicas para cantar seguindo um critério
meio absurdo".
Ele toca sambas de Gordurinha,
Caco Velho e Germano Mathias.
A platéia pede "Cálice".
Gil diz que não se lembra da letra. Alguém da platéia lhe oferece
um recorte com a letra.
Um estudante interrompe:
"Posso fazer uma pergunta? A
gente sabe que toda manifestação
artística existe dependendo do
que tem ao redor".
Gil não concorda e diz que elas
existem independentemente de
tudo. Quando o estudante é vaiado, Gil pede: "Afaste dele esse cálice". É nesse momento que diz a
frase que ficou marcada na memória dessa geração:
"Procuro pelo menos fazer o
que acho que posso fazer e o que
devo fazer. Como numa corrida
de obstáculo, se não dá para passar por cima, passa por baixo".
Cantando "Expresso 2222", ele
improvisa: "Tudo tem dois lados,
tudo certo, tudo errado, 2222, felicidade vem depois".
Ele canta ainda seis minutos de
"Objeto Sim, Objeto Não", pergunta quem já viu disco voador e
diz que viu um na Bahia: "Tanto
faz crer ou não. Se existe, ótimo,
se não existe, também".
Gil canta ainda nove minutos de
"Duplo Sentido" e encerra com
rocks como "Back in Bahia", que
ele chama de "Aquele Abraço às
Avessas".
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