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Contas mágicas
Falta credibilidade às cifras
do mercado editorial do Brasil
Editora Record admite que no passado dobrava artificialmente as vendas de seus títulos para fazer marketing -era o chamado "fator 2"
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Você possivelmente sabe que
os magos Paulo Coelho e Harry
Potter estão entre os campeões
de venda de livros no Brasil, ao
lado de nomes como Lya Luft e
Augusto Cury. Mas, se você quiser saber com precisão quantos
exemplares de livros são comercializados no mercado brasileiro, é melhor munir-se de
cautela. Sem auditoria pública
ou privada que comprove as tiragens e vendas, os números divulgados às vezes parecem extraídos de uma obra de ficção.
Os principais editores brasileiros afirmam que não maquiam seus resultados, mas dizem ver "exageros" em números que saem na imprensa.
"Há quem diga que no mercado editorial não há tiragem,
há mentiragem, mas isso é piada", comenta Carlos Augusto
Lacerda, da Nova Fronteira.
"Esses números não afetam a
lista de mais vendidos, afetam o
espírito do livreiro e do leitor,
que enxergam na tiragem divulgada uma certidão do tamanho da aposta editorial, do potencial de vendas e de leitura."
A falta de credibilidade das
cifras do mercado editorial brasileiro tem raízes no passado. A
Folha apurou que, em 1992, os
números de vendagem da obra
de Graciliano Ramos, como divulgados pela Record, batiam a
marca de 5 milhões de exemplares. Hoje, a editora divulga
que esse número não passa de
3,5 milhões.
O que explica a queda, em vez
do esperado aumento em 14
anos? A resposta pode ser o "fator 2", segundo a diretora editorial Luciana Villas-Boas.
"Quando comecei a trabalhar
na Record, em 1995, via que
apareciam na imprensa números de venda de nossos livros
muito diferentes daqueles que
eu conhecia internamente. Fui
indagar, e me disseram: "Você
não sabe do fator 2? É usado
por toda a indústria editorial". E
isso significava duplicar todos
os números para efeito de divulgação. Naquela época, particularmente, os números da indústria editorial eram melancólicos", conta Villas-Boas.
"Pedi que isso não fosse mais
feito, o que aconteceu."
Exageros
Embora afirmem que nunca
ouviram falar do "fator 2", outros grandes editores do país
reconhecem o histórico caótico
dos números no Brasil.
Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, diz que "no
passado, a gente via que o mercado praticava números que
não correspondiam à realidade". Hoje ele crê que o quadro
seja diferente. Marcos Pereira, da Sextante, acha que os exageros "são cada vez menores".
Já Paulo Rocco, presidente
do Sindicato Nacional dos Editores de Livro e dono da editora
que leva seu nome, coloca o
verbo no presente para falar do
expediente: "Não conhecia o
termo, mas sempre ouço falar.
E, com minha experiência de
editor, vejo alguns números
exagerados. Como dizia o Leonel Brizola, isso "já vem de longe". De qualquer maneira, é
condenável. Não sei se seria o
caso de uma ação policialesca,
mas de conscientização".
Villas-Boas diz que pode
"abrir os arquivos" da editora
Record quando fala que a escritora Lya Luft ("Perdas e Ganhos"), best-seller da casa, vendeu mais de 550 mil exemplares. Sem "fator 2". Ela também
defende que atualmente a
maioria dos editores já não exagera, pois "fica muito bobo".
Mas faz uma ressalva: "Às vezes
ainda me surpreendo com repórteres que reproduzem cifras estapafúrdias".
Lacerda diz que, se o "fator 2"
é fato ou ficção, ele não tem como apurar. Mas o editor lança
uma nova dúvida no ar:
"O que me deixa com a pulga
atrás da orelha são livros que já
saem anunciados com tiragem
de 20 mil a 50 mil esgotada em
poucos dias. Quando de fato
acontece, esses livros é que são
o motor do mercado, que mantém as editoras e livrarias com
as contas em dia. Em outras palavras, isso acontece, é muito
desejável que aconteça, mas é
provável que não aconteça tanto quanto divulgam."
Existe ainda o expediente de
alterar o número da edição que
aparece no livro sem que uma
nova tiragem tenha sido feita.
Para se diferenciar dessa prática, a Companhia das Letras, por
exemplo, adota um procedimento diferente: não fala que
fez uma nova edição de um livro, a não ser que faça mudanças no conteúdo. Em vez disso,
indica que aquele livro é uma
"reimpressão".
Outro aspecto que dificulta
chegar a números consolidados
é o fato de, nos últimos anos,
editoras e livreiros adotarem
um sistema de consignação, em
que as livrarias só pagam pelo
que vendem, devolvendo sobras. Quando um título vende
bem, as editoras divulgam o números de distribuição como
sendo de venda, porque dão como certo o retorno.
Colaborou SYLVIA COLOMBO, da Reportagem
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