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MANUEL DA COSTA PINTO
Simpatia pelo mal
Ensaísta constrói outro andar
no edifício de interpretações
sobre Marquês de Sade, que
ficou décadas no ostracismo
"NÃO É o aspecto assustador da obra que parece
mover o interesse [de
seus leitores], mas justamente a capacidade do autor de renovar "ad infinitum" o seu motivo central." A frase de Eliane Robert Moraes, extraída de um dos textos de "Lições de
Sade - Ensaios sobre a Imaginação
Libertina", se aplica também às interpretações do autor de "Os 120
Dias de Sodoma".
As exegeses de Sade têm a plasticidade do desejo -e, tal como o erotismo, convergem sempre para o mesmo ponto, numa cadeia repetitiva
que gera ora os prazeres do excesso,
ora embotamento. Apollinaire (poeta surrealista que o apelidou de "divino marquês"), Paul Éluard, Mario
Praz, Jean Paulhan, Simone de
Beauvoir, Lacan -a lista de admiradores de Sade é enorme e, não por
acaso, todos pertencem ao século
20, quando sua obra foi reabilitada,
depois de décadas de confinamento
no "inferno da Biblioteca Nacional"
(seção da instituição francesa destinada aos livros com acesso restrito).
Ensaísta notável, Eliane constrói
mais um andar nesse edifício interpretativo. O livro reúne artigos publicados em diferentes periódicos,
que adquirem aqui unidade e consolidam pesquisas iniciadas com
"Marquês de Sade - Um Libertino
no Salão dos Filósofos" (incluído na
presente edição) e "Sade - A Felicidade Libertina" (Imago).
Em sua prosa erudita, há várias referências a Bataille e Blanchot, mas
talvez a leitura com a qual tenha
mais afinidades seja a de Octavio
Paz ("Um Mais Além Erótico: Sade"). Ela compartilha com o poeta
mexicano a idéia de que o "princípio
fundamental" do sistema sadiano é
a "equivalência entre criação e destruição".
Vício, perversão e assassinato sexual são algo mais do que expressão
de um imoralismo sem peias. O autor de "Justine" funde transgressão
dos costumes e o "ateísmo dos iluministas" numa cosmologia que
"supõe tanto a corrupção do corpo
por meio das idéias quanto a corrupção das idéias por meio do corpo".
Ao criar a expressão "filosofia na
alcova", Sade radicaliza o discurso libertino; em vez de justificar discursivamente práticas hedonistas,
transforma a maneira de filosofar:
"O homem concebido por Sade não
é cindido: idéia e corpo operam em
parceria".
Vem daí "a dimensão radical de
uma crítica que nunca admite a idéia
sem objeto nem tampouco representação sem presença". A conseqüência é um realismo selvagem,
um "materialismo cósmico, que põe
em xeque o primado do homem no
universo" e funda um ser livre de
servidões como amor ou laços sociais.
Eliane afirma que a obra sadiana é
fruto de uma consciência que "interroga a morte de Deus até as últimas
conseqüências". A idéia do deicídio,
porém, ultrapassa sua obra e, de
Pascal a Cioran, está no coração da
modernidade: aderir a Sade, portanto, exige uma simpatia pelo mal, por
esse credo em que o crime não é
contingência, mas necessidade.
LIÇÕES DE SADE
Autora: Eliane Robert Moraes
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 35 (160 págs.)
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