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Crítica/humor
De la Peña cria craque sem dois dedos no pé
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
Sei não, esse autor deve
ser assim, como é que se
diz, um botafoguense.
Coisas que só acontecem com
alvinegros de General Severiano, se é que você me entende.
Coisas que só acontecem
com quem viveu, digamos assim, uma certa cordialidade suburbana, caso do escritor de tal
volume. Um romancista do
tempo em que nós, os ex-pobres, não estávamos obrigatoriamente associados à guerra
urbana, à violência.
Em "Vai na Bola, Glanderson!", de Hélio de la Peña, rapaz
do "Casseta & Planeta", Paulo
Ventania aposta no mercado
futuro dos craques. Dublê de
procurador, empresário de
atleta, olheiro "profissa", sonha
em descobrir o ouro de Serra
Pelada nos subúrbios cariocas.
Descobrir o cara, o nome do jogo, o novo Fenômeno. Ele está
de olho é na Copa de 2014, que
será no Brasil se ainda existir.
O bom de Glanderson é que
ele, anti-Galvão Bueno, a voz
que monopoliza o escrete canarinho na Copa, acredita mais na
narrativa do que na real da vida.
Para você que está cansado
de ler intelectuais falando de
futebol só por causa da Copa,
para você que está cansado de
ler entrevistas do Roberto da
Matta, para você que não
agüenta mais esses pernas-de-pau que escrevem e ditam regras, mas não sabem cobrar um
lateral... Para você que já entendeu que o vencedor ganha apenas as batatas...
Para você que está sem ambiente na alta literatura... o menino Glanderson é a solução.
Na boa, relaxa, Glanderson é
apenas um craque sem dois dedos no pé, ciência do acidente,
acontece, talvez por isso mesmo tenha um chute fantástico,
espécie de "folha-seca" dos
tempos modernos.
Sexo?
Também rola no romance.
Vide o capítulo, com licença do
maldito trocadilho, assim, com
aspas mesmo, "Roleta-Buça".
Ah, sim, se o amigo torcedor,
o amigo secador, insistir em ser
chato mesmo, à vera, pode até
encontrar no livro alguns momentos edificantes, alguma literatura de entretenimento,
como tanto pregava José Paulo
Paes, poeta e crítico paulista,
em momento da vida.
Melhor mesmo é esquecer
esse tipo de coisa. Gente, é só
mais um divertido livro que sai
em ano de Copa. Na dita grande
literatura, os acertos, os passes
de trivela são raros quando se
trata do assunto. Salva-se um
aqui outro ali, como o genial
André Sant'Anna, autor de "O
Paraíso É Bem Bacana" (Companhia das Letras).
Paulo Ventania, o suburbano
neoliberal dos tempos de futebol globalizado, não é nem um
mané fundamentalista, mas
bate um bolão ao emplacar
Glanderson numa estupenda
equipe latina. Não vou dizer o
país nem a divisão que o menino joga para não atrapalhar seu
esquema. E haja tiração de onda com o futebol do Rio de Janeiro. Se eu fosse do ramo, diria
mais ou menos assim: é a metáfora perfeita do atual momento
do ludopédio carioca. Mas esquece a metáfora, vai, isso não
cai bem nessa estética de peladeiro. Viva a várzea.
VAI NA BOLA, GLANDERSON!
Autor: Hélio de La Peña
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (218 págs.)
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