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Cultura em pedaços é febre na internet
Filmes, músicas, séries de TV e gibis ganham tamanho reduzido para consumo instantâneo, batizado de "snack culture'
Para pesquisador, produtos são consumidos de maneira mais dinâmica; Marcelo Tas diz que "pedaços" ajudam a decidir como gastar o tempo
DANIELA ARRAIS
ESTÊVÃO BERTONI
DA REPORTAGEM LOCAL
Nada de refrãos repetitivos e
solos infindáveis. Ao sintonizar
o computador na rádio Sass
(www.radiosass.com), o ouvinte escuta 30 músicas em
uma hora -em uma rádio tradicional, ele não ouviria mais
de 12. Como? As faixas são picotadas, e os intervalos não
chegam a um minuto e meio.
A rádio on-line representa
uma nova forma de consumo
de cultura, a "snack culture"
(cultura do aperitivo, ao pé da
letra). Em boa parte graças à
internet, o entretenimento instantâneo vem tomando forma
com a proliferação de pequenas doses de diversão.
O termo, difundido pela revista "Wired", especializada
em tecnologia, inclui de
"snacktones" (músicas de dez a
30 segundos compostas especialmente para tocar em celulares) e minigibis a filmes de ginástica com menos de dois minutos (para serem assistidos
pelo iPod na academia) e versões reduzidas de clássicos do
cinema, como "Pulp Fiction"
(1994), de Quentin Tarantino.
"A gente vive em uma época
em que a velocidade é supervalorizada. Buscamos uma internet mais veloz, dirigimos mais
rápido, comemos fast-food.
Queremos mais estímulo do
que antes", diz o DJ George Gimarc, idealizador da rádio Sass.
Tanta sede pelo entretenimento instantâneo é conseqüência da sociedade de consumo, segundo Gabriela Borges,
professora de ciências da comunicação da Universidade do
Algarve, em Portugal. "Os produtos culturais são feitos para
serem rapidamente consumidos a fim de que novos sejam
produzidos", afirma.
Já o jornalista, apresentador
e diretor de TV Marcelo Tas diz
acreditar que a instantaneidade causada pela revolução digital tem efeitos mais amplos. "A
febre não atinge só o entretenimento, mas a informação, a comunicação e até a vida afetiva."
Para Tas, a "snack culture"
funciona como "um índice para
o internauta decidir onde vai
gastar seu tempo".
"Ele [consumidor] tem o poder de decisão na mão. Pesquisa preços antes de comprar, zapeia pelos diversos canais de
informação e entretenimento
antes de decidir onde vai investir sua atenção", diz.
O músico Gustavo Mini Bittencourt, da banda gaúcha
Walverdes, também ressalta o
papel do consumidor. "O fã é
cada vez mais editor da obra do
artista. Tem tanto o cara que
curte ver o filme inteiro quanto
o que assiste só a trailers. No
meio, tem o cara que gosta de
"mashupar" [misturar obras diferentes para obter um novo
resultado] trailers."
Benefícios
Criador da rádio Sass, Gimarc diz que as versões enxutas das músicas trazem benefícios para músicos e gravadoras.
"Se a minha rádio toca duas vezes mais do que as outras estações, ela venderá o dobro."
Na mesma sintonia, Steve
Ellis, fundador do programa de
licenciamento on-line de música independente Pump Audio
(www.pumpaudio.com), afirma enxergar na "snack culture"
uma grande possibilidade de
fazer negócios.
Só em 2006, o Pump Audio,
que vende trechos de músicas
para programas de TV, filmes,
sites e jogos de videogame desde 2001, pagou US$ 125 mil
(cerca de R$ 241 mil) a artistas
independentes por suas obras.
Superficialidade
O aumento na diversidade de
produtos culturais é um dos
pontos positivos da "snack culture", como aponta Borges.
Mas ela alerta: "A superficialidade e a instantaneidade fazem
com que não haja tempo para
uma maior reflexão sobre o que
está sendo consumido".
Para Hudson Moura, editor
da revista Intermídias
(www.intermidias.com) e
pesquisador do Centro de Estudos da Oralidade da PUC-SP,
mesmo que o produto picotado
deixe de ser o mesmo, pode ter
caráter permanente. "Esses
produtos podem ser consumidos de uma maneira muito
mais dinâmica e ter uma vida
duradoura e prolongada."
Disponível no site YouTube,
a versão reduzida de "Pulp Fiction", com menos de dois minutos, aumenta a vida útil e o
interesse pelo filme, segundo
Marcelo Tas. "A versão curta
mostra que o filme, lançado no
distante 1994, continua atiçando o imaginário da molecada. É
uma prova da atenção e respeito dos fãs."
O músico Bittencourt reconhece uma possível superficialidade, mas não a vê com tanto
pessimismo. "Cabe olhar pra
isso com atenção e curiosidade,
e não com uma atitude ranzinza do tipo "hoje em dia é tudo
mais superficial'", diz.
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