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Cota para negros mobiliza a SPFW
Temporada do verão 2009/10 começa hoje; associação franciscana planeja protesto com modelos afrodescendentes
Para a estilista Clô Orozco, agências não oferecem opções de modelos, que deveriam ser procurados
em escolas da periferia
GUSTAVO FIORATTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Habitualmente afastada dos
problemas sociais, a moda brasileira -quem diria- se tornou
nos últimos dias o palco de uma
batalha contra a discriminação
dos negros no país. As cenas
principais dessa disputa deverão ser travadas na SPFW (São
Paulo Fashion Week), cujos
desfiles da temporada verão
2009/10 começam hoje.
Conforme um Termo de
Ajustamento de Conduta
(TAC), assinado há menos de
um mês entre o Ministério Público e a organização do evento,
10% dos modelos de cada desfile devem ser negros, afrodescendentes ou indígenas.
O inquérito se baseou em reportagens da Folha feitas em
janeiro de 2008. Dos 344 modelos que desfilaram naquela
temporada, apenas oito (2,3%
do total) eram negros, conforme contagem feita pelo jornal.
Quem vai colocar mais lenha
na fogueira é a associação franciscana Educafro (Educação e
Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), que está organizando um desfile-manifesto
no parque Ibirapuera, onde a
semana de moda é realizada.
A manifestação prevê uma
passarela só com modelos negros, embaixo da marquise do
parque, ao lado do MAM (Museu de Arte Moderna).
A associação também quer
fiscalizar o cumprimento da
"cota". Pediu dois convites por
desfile à SPFW, para poder
contar o número de negros -o
que nem mesmo a Promotoria
planejou fazer.
Relatório final
Caso a quantidade de 10%
por desfile não seja atingida, a
organização da SPFW pode ser
multada em R$ 250 mil. Até 30
dias após o fim da temporada, o
evento terá de elaborar uma relação completa dos modelos
que desfilaram, apontando o
nome dos "que se inserem no
critério", como diz o TAC.
É possível justificar o descumprimento: o Ministério Público aceita, por exemplo, que a
alguns temas de desfiles não cabe a participação de negros.
A diretora de casting Roberta
Marzolla, responsável pela seleção de modelos de Alexandre
Herchcovitch, André Lima, Ronaldo Fraga e Wilson Ranieri,
acredita que a medida será respeitada. "Acho que as marcas
vão cumprir a cota", afirma.
Segundo Marzolla, quatro
negras participarão do desfile
de Herchcovitch, que tem um
casting com 30 modelos. Para o
desfile de Ronaldo Fraga, cinco
negros e uma indígena passaram pelo teste, que prevê um time de quase 40 modelos.
Os desfiles da SPFW já revelaram belas modelos negras,
como Gracie Carvalho e Ana
Bela. Agora, é possível que a
"cota" mostre ao público mais
algumas new faces, como a
baiana Indira Carvalho (da
agência 40 Graus), a paraibana
Ismênia (da EG Models) e a
paulista Jaine (da Way Model).
Mundinho da Oscar Freire
Marzolla diz que percebeu
uma "movimentação" nas
agências. "Elas traziam poucas
negras e agora estão apresentando mais possibilidades de
testes", constata.
Duas das principais agências
de modelos do país, a Ford e a
Way, dizem, porém, que não se
preocuparam em aumentar o
número de negros em seus castings depois do acordo da
SPFW com o Ministério Público. "Já temos negros. Sempre
tivemos", diz o diretor da Ford
Models, Marco Aurélio Rey.
"Estamos sempre em busca
de mais modelos, independentemente da raça. Não fomos
atrás de mais negros", afirma o
diretor da Way Model, Anderson Baumgartner. Para ele, as
negras são pouco numerosas
em desfiles porque não têm o
biotipo desejado pelos estilistas. "Elas são mais gostosonas;
muitas têm um bumbum um
pouco maior", justifica.
O estilista e empresário Alberto Hiar, da Cavalera, tem
outra explicação para o baixo
índice de negros na SPFW. "Os
afrodescendentes não estão
nos restaurantes e nos lugares
onde os olheiros estão. Você vê
uma quantidade muito pequena deles na Oscar Freire", diz.
Para a estilista Clô Orozco, é
antiga a "despreocupação" das
agências em apresentar modelos negros. "Eu dependo do que
eles [os agentes] me trazem",
diz. "Acho que deveriam ir para
lugares diferentes, por exemplo, a colégios da periferia."
"O problema é que o mundinho da moda está restrito à Oscar Freire", desfere Hélder
Dias Araújo, dono da HDA Models, agência só de negros, que
até agora não conseguiu emplacar nenhum de seus modelos
nesta edição do evento.
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