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MÚSICA
Disco mistura Gillespie com Mocotó
Gravações do jazzista americano com o trio de sambistas, perdidas desde os anos 70, são redescobertas e sairão em CD
Álbum foi feito em estúdio de São Paulo, em 1974, durante turnê de Dizzy Gillespie pelo Brasil, e ficou sumido até o início de 2009
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um inédito encontro da música brasileira com o jazz está
prestes a chegar ao público. Em
1974, durante uma turnê pela
América do Sul, o trompetista
norte-americano Dizzy Gillespie (1917-1993), um dos fundadores do jazz moderno, fez gravações com o Trio Mocotó e outros músicos brasileiros, material até hoje nunca lançado.
"Esse disco já tinha virado
lenda", diz João Parahyba, 57,
percussionista do trio que divide com Jorge Ben os méritos
pela criação e difusão do samba-rock. "Tocamos com o
Dizzy, mas até hoje não tínhamos prova alguma. Com o lançamento deste disco, o Trio
Mocotó passa a fazer parte da
história do jazz norte-americano", festeja o músico paulista.
Parahyba conta que o próprio Gillespie já havia se esquecido dessas gravações, quando
o reencontrou, em 1987, num
festival de jazz, em Estocolmo.
"Ele me disse que só se lembrava da empatia que sentiu ao tocar com o Mocotó. O Dizzy gostava de músicos que tocavam
mais à vontade, tinha pouco a
ver com catedráticos".
De lá para cá, Parahyba fez o
que pôde para localizar a fita
master que o jazzista teria levado para os Estados Unidos. Só
em janeiro último teve acesso a
trechos do álbum, depois de receber um e-mail do produtor
suíço Jacques Muyal, pedindo
que o ajudasse a encontrar os
músicos que participaram das
sessões de gravação, no estúdio
Eldorado, em São Paulo.
Amigo de Gillespie e diretor
do selo Laser Swing, Muyal disse ao percussionista que virá ao
Brasil, em julho, para tomar as
providências necessárias para
que o disco possa enfim chegar
ao mercado.
"Quase chorei", diz Parahyba, lembrando de sua emoção
ao ouvir trechos do disco perdido, 35 anos depois. "Acho que
conseguimos juntar a essência
do jazz do Dizzy com a essência
da música brasileira", avalia,
ressaltando a participação do
pianista Amilson Godoy, como
regente das gravações.
Blues e cuíca
A Folha teve acesso a trechos de seis faixas do disco, todas sem título. Na primeira, Gillespie improvisa com humor
sobre o batuque descontraído
dos ritmistas brasileiros. "S'imbora, Joao" (sem acento mesmo), brinca Nereu Gargalo,
pandeirista do Mocotó, imitando a pronúncia do americano,
na introdução da faixa seguinte, mais próxima do blues.
Outro blues, em estilo tradicional, destaca a ótima cantora
Mary Stallings, nos vocais. Ela
também já não se lembrava
mais dessas gravações, quando
falou à Folha, em 2003, pouco
antes de se apresentar no festival Chivas Jazz, em São Paulo.
O disco inclui ainda um romântico bolero, com um solo
delicado de Gillespie, que cresce com a entrada dos ritmistas.
Já na faixa final, a cuíca de
Fritz Escovão se destaca do batuque, misturando-se com as
frases curtas do trompetista.
"A gravação foi dificílima
porque o Dizzy trouxe um trio
de jazz puro. O Mickey Roker
era um baterista maravilhoso,
mas não conseguia tocar samba. O jazz que o Dizzy estava fazendo na época ainda não era
"fusion", era puro jazz tocado
em 4 por 4", lembra Parahyba.
O percussionista ainda desconhece a explicação oficial para o disco ter ficado tanto tempo engavetado, mas arrisca
uma hipótese. "É bem provável
que a gravadora tenha decidido
que não era o caso de lançar um
disco como este naquele momento. Diferentemente do que
acontece hoje, quem mandava
era o produtor, não o artista".
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