São Paulo, quarta-feira, 17 de junho de 2009

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MÚSICA

Disco mistura Gillespie com Mocotó

Gravações do jazzista americano com o trio de sambistas, perdidas desde os anos 70, são redescobertas e sairão em CD Álbum foi feito em estúdio de São Paulo, em 1974, durante turnê de Dizzy Gillespie pelo Brasil, e ficou sumido até o início de 2009

CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um inédito encontro da música brasileira com o jazz está prestes a chegar ao público. Em 1974, durante uma turnê pela América do Sul, o trompetista norte-americano Dizzy Gillespie (1917-1993), um dos fundadores do jazz moderno, fez gravações com o Trio Mocotó e outros músicos brasileiros, material até hoje nunca lançado.
"Esse disco já tinha virado lenda", diz João Parahyba, 57, percussionista do trio que divide com Jorge Ben os méritos pela criação e difusão do samba-rock. "Tocamos com o Dizzy, mas até hoje não tínhamos prova alguma. Com o lançamento deste disco, o Trio Mocotó passa a fazer parte da história do jazz norte-americano", festeja o músico paulista.
Parahyba conta que o próprio Gillespie já havia se esquecido dessas gravações, quando o reencontrou, em 1987, num festival de jazz, em Estocolmo. "Ele me disse que só se lembrava da empatia que sentiu ao tocar com o Mocotó. O Dizzy gostava de músicos que tocavam mais à vontade, tinha pouco a ver com catedráticos".
De lá para cá, Parahyba fez o que pôde para localizar a fita master que o jazzista teria levado para os Estados Unidos. Só em janeiro último teve acesso a trechos do álbum, depois de receber um e-mail do produtor suíço Jacques Muyal, pedindo que o ajudasse a encontrar os músicos que participaram das sessões de gravação, no estúdio Eldorado, em São Paulo.
Amigo de Gillespie e diretor do selo Laser Swing, Muyal disse ao percussionista que virá ao Brasil, em julho, para tomar as providências necessárias para que o disco possa enfim chegar ao mercado.
"Quase chorei", diz Parahyba, lembrando de sua emoção ao ouvir trechos do disco perdido, 35 anos depois. "Acho que conseguimos juntar a essência do jazz do Dizzy com a essência da música brasileira", avalia, ressaltando a participação do pianista Amilson Godoy, como regente das gravações.

Blues e cuíca
A Folha teve acesso a trechos de seis faixas do disco, todas sem título. Na primeira, Gillespie improvisa com humor sobre o batuque descontraído dos ritmistas brasileiros. "S'imbora, Joao" (sem acento mesmo), brinca Nereu Gargalo, pandeirista do Mocotó, imitando a pronúncia do americano, na introdução da faixa seguinte, mais próxima do blues.
Outro blues, em estilo tradicional, destaca a ótima cantora Mary Stallings, nos vocais. Ela também já não se lembrava mais dessas gravações, quando falou à Folha, em 2003, pouco antes de se apresentar no festival Chivas Jazz, em São Paulo.
O disco inclui ainda um romântico bolero, com um solo delicado de Gillespie, que cresce com a entrada dos ritmistas. Já na faixa final, a cuíca de Fritz Escovão se destaca do batuque, misturando-se com as frases curtas do trompetista.
"A gravação foi dificílima porque o Dizzy trouxe um trio de jazz puro. O Mickey Roker era um baterista maravilhoso, mas não conseguia tocar samba. O jazz que o Dizzy estava fazendo na época ainda não era "fusion", era puro jazz tocado em 4 por 4", lembra Parahyba.
O percussionista ainda desconhece a explicação oficial para o disco ter ficado tanto tempo engavetado, mas arrisca uma hipótese. "É bem provável que a gravadora tenha decidido que não era o caso de lançar um disco como este naquele momento. Diferentemente do que acontece hoje, quem mandava era o produtor, não o artista".


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