São Paulo, quinta-feira, 17 de junho de 2010

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CRÍTICA ERUDITO

Yo-Yo Ma brilha ao lado de Kathryn Stott

Juntos desde 2003, violoncelista americano e pianista britânica formam um duo camerístico original e coeso


ERA COMO SE UMA LINHA IMAGINÁRIA UNISSE O LADO DIREITO DE KATHRYN STOTT AO LADO ESQUERDO DE YO-YO MA


SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

Pianista e violoncelista não precisaram se olhar: do início ao último bis - o "Cisne", de Saint-Saëns - fizeram a música nascer da escuta do outro. Era como se uma pequena linha imaginária unisse o lado direito de Kathryn Stott ao lado esquerdo de Yo-Yo Ma, terça-feira na Sala São Paulo, em concerto da temporada da Sociedade de Cultura Artística.
A pianista britânica é especialista em Gabriel Fauré (1845-1924), de quem gravou as obras completas para piano solo. O violoncelista americano (nascido em Paris, de ascendência chinesa) não cansa de se reinventar: gravou quase 80 discos, dos quais 16 receberam o prêmio Grammy.
Juntos, Stott e Ma atuam desde 2003, tempo suficiente para transformar o encontro de dois solistas talentosos em um duo camerístico original e coeso.
Eduard Hanslick (1825-1904), influente crítico musical do século 19, definia a música como "formas ressoantes em movimento", o que pressupõe a interferência direta do sentido da espacialidade sobre a qualidade da escuta.
Assim, para quem assistiu à primeira parte do programa nas cadeiras extras colocadas atrás do palco - como este crítico -, o som do piano chegava sempre primeiro, demasiadamente forte, encobrindo o cello.
Mesmo assim, foi possível admirar a "Sonata op. 38", primeira obra que Brahms (1833-1897) - amigo de Hanslick - dedicou a cello e piano: no "Trio", parte central do terceiro movimento, pareceu mesmo emergir a nostalgia de uma seresta brasileira, como se o compositor alemão pudesse ter conhecido uma valsa de Camargo Guarnieri (1907-1993).

"A MISSÃO"
Mas, antes de tudo, Ma e Stott haviam transformado em suíte o tema que Ennio Morricone escreveu para o encontro da personagem de Jeremy Irons com os povos indígenas no filme "A Missão" (1986).
Conectou-o ao "Prelúdio n. 2" de George Gershwin, e a "Cristal", peça do paulista Cesar Camargo Mariano (porém, nesta última, é impossível não sentir falta do swing do próprio Cesar ao piano tocando com o violonista Romero Lubambo).
A segunda parte foi - para o crítico - um outro concerto, visto e ouvido da plateia: primeiro "L", obra dedicada ao próprio duo pelo inglês Grahan Fitkin (nascido em 1963) e, em seguida, a extensa "Sonata" de Serguei Rachmaninov (1873-1943).
"L" brinca justamente com o "espaço sonoro" dos dois instrumentos, fazendo do piano o eixo vertical para que o cello complete de diferentes modos o desenho da letra.
Os movimentos centrais de Rachmaninov talvez tenham sido o auge do recital: a energia do "scherzo", baseado em uma frase descendente de seis notas (que atinge o dó grave do cello), e a interação musical total do "Andante", música de câmara de alto nível, como poucos artistas podem fazer.
Yo-Yo Ma tem raro senso de dramaticidade. Sua eloquência vem de uma personalidade poética solar e direta. Curiosamente não há complementaridade no duo: Kathryn Stott é sempre capaz de adicionar mais brilho, o que alimenta a escuta e clareia as mais intrincadas estruturas musicais.


YO-YO MA E KATHRYN STOTT
AVALIAÇÃO ótimo



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