São Paulo, terça-feira, 17 de julho de 2007

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Rock esquisitão

Com influências do punk, jazz, hip hop e eletrônica, grupos como Hurtmold e Mamma Cadela agitam a nova cena instrumental em SP

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles não gostam de falar a palavra "cena". Na verdade, não são muito chegados em falar. Preferem se expressar com seus instrumentos musicais. "Eles" são bandas como Hurtmold, Mamma Cadela, Guizado e Lavoura Eletro (veja quadro nesta página), entre outras, que vêm consolidando em São Paulo uma produção guiada por sonoridade instrumental e experimental de shows cada vez mais concorridos.
Em comum, esses grupos fogem de uma definição fácil. Não é rock, não é jazz, não é música eletrônica, não é surf music. Mas, ao mesmo tempo, conseguem unir diferentes elementos de gêneros distintos sem cair no estereótipo do "caldeirão de ritmos".
Com integrantes na faixa dos 20 e tantos anos, essa cena segue a lógica da nova música brasileira, formada por artistas que estabelecem fortes diálogos entre si, cuja palavra mágica é "coletivo".
O veterano é o sexteto Hurtmold. O grupo-chave dessa turma surgiu em 1998 e se tornou um fenômeno alternativo. Costuma lotar casas como o Studio SP, em Pinheiros, com capacidade para cerca de 300 pessoas, e atualmente finaliza seu quinto CD. São ainda número de abertura para os ingleses do Magic Numbers no Festival Indie Rock, dia 25 no Rio e 26 em SP. Nada mau para um grupo que não tem os elementos mais tradicionais da música pop: letras e refrãos para serem cantados pelo público.
Se eles não falam nas músicas, falam bastante em entrevistas. "Não transitamos por nenhuma cena e não gostamos da classificação "instrumental'", diz Guilherme Granado, 27, que toca teclado, vibrafone e escaleta no Hurtmold. Para o músico, não ter letras é uma opção estética.
"O fato de não ter voz na maioria das nossas músicas é algo incidental [o grupo já fez algumas canções com letras no passado]. Ultimamente não temos o que expressar em letras. A intenção é expressar o sentimento de uma música; são mais sensações do que idéias claras."

Frank Zappa
Além de sensações, o grupo Mamma Cadela, que lança seu disco de estréia, "Mamma Cadela em Busca da Verdade", prefere seguir a intuição.
Formado pelo guitarrista Fernando Coelho, o quinteto surgiu a partir da vontade do músico de fazer um projeto eletrônico. "Fui na Galeria Ouro Fino [shopping na rua Augusta] em busca de um DJ. Mas só ouviam trance [vertente da eletrônica mais psicodélica]. Eu tinha nojo de trance. Mas daí entrei numa loja e tinha um DJ ouvindo Miles Davis", diz Coelho, sobre como conheceu Ismael Sendeski, que comanda a parte eletrônica do Mamma.
"Nosso processo de composição era baseado no improviso, como uma jam session. Mas, depois, ouvimos muito Beatles, e começamos a compor melodias." O resultado são faixas com referências que vão de Pink Floyd a Frank Zappa e Nino Rota, colaborador do cineasta Federico Fellini. "Dentadura de Robô", por exemplo, poderia estar no filme "E La Nave Va" se lá pelo meio não partisse para a psicodelia.

Zanzibar e punk
"Não gostamos de ser rotulados como "pós-rock" [termo cunhado pelo crítico inglês Simon Reynolds nos anos 90 para designar bandas que usam "instrumentação de rock para fins não-roqueiros']. Fazemos música "derretida'", diz Coelho.
Mesmo que não haja apenas uma única explicação para o interesse por essas bandas, o fato é que, novamente, a internet é uma das "culpadas". "Hoje as pessoas ouvem muitos tipos de sons e andam menos preconceituosas. Claro que ainda tem o adolescente radical chato, metaleiro, mas isso mudou."
O próprio Hurtmold, por exemplo, tem fortes conexões com a cena do punk e hardcore, mesmo que isso não transpareça diretamente na sonoridade.
"Eu ouvia muito as bandas dos anos 80, como Hüsker Dü, Bad Brains, Minutemen, que tinham uma ligação com o punk mais no sentido da idéia de liberdade, de urgência. É algo que remete aos músicos de free jazz", explica Granado, que atualmente anda fascinado pela música feita em Zanzibar (Tanzânia, África) nos anos 70.
Já o trompetista Gui Mendonça, que tem formação jazzística, criou o projeto Guizado, com sons do videogame portátil Game Boy e o imaginário do jazzista Ornette Coleman.
Cita como referência o norte-americano Prefuse 73 e artistas que "têm uma bagagem do hip hop experimental, caras de cabeça mais aberta". "Quando bandas de hardcore, como o Fugazi, começaram a fazer músicas instrumentais, o público do rock começou a aceitar mais mudanças. Hoje, o público sabe que rock instrumental não é algo cabeça e chato, e viu que essa música tem emoção."
Se, antes, a banda Ira! era a cara de São Paulo, ao cantar versos como "Pobre São Paulo, pobre paulista", hoje, grupos "silenciosos" como Hurtmold refletem toda a confusão, as contradições e a variedade cultural que movem a cidade.


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