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Rock esquisitão
Com influências do punk, jazz, hip hop e eletrônica, grupos como Hurtmold e Mamma Cadela agitam
a nova cena instrumental em SP
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Eles não gostam de falar a palavra "cena". Na verdade, não
são muito chegados em falar.
Preferem se expressar com
seus instrumentos musicais.
"Eles" são bandas como Hurtmold, Mamma Cadela, Guizado
e Lavoura Eletro (veja quadro
nesta página), entre outras, que
vêm consolidando em São Paulo uma produção guiada por sonoridade instrumental e experimental de shows cada vez
mais concorridos.
Em comum, esses grupos fogem de uma definição fácil. Não
é rock, não é jazz, não é música
eletrônica, não é surf music.
Mas, ao mesmo tempo, conseguem unir diferentes elementos de gêneros distintos sem
cair no estereótipo do "caldeirão de ritmos".
Com integrantes na faixa dos
20 e tantos anos, essa cena segue a lógica da nova música
brasileira, formada por artistas
que estabelecem fortes diálogos entre si, cuja palavra mágica é "coletivo".
O veterano é o sexteto Hurtmold. O grupo-chave dessa turma surgiu em 1998 e se tornou
um fenômeno alternativo. Costuma lotar casas como o Studio
SP, em Pinheiros, com capacidade para cerca de 300 pessoas,
e atualmente finaliza seu quinto CD. São ainda número de
abertura para os ingleses do
Magic Numbers no Festival Indie Rock, dia 25 no Rio e 26 em
SP. Nada mau para um grupo
que não tem os elementos mais
tradicionais da música pop: letras e refrãos para serem cantados pelo público.
Se eles não falam nas músicas, falam bastante em entrevistas. "Não transitamos por
nenhuma cena e não gostamos
da classificação "instrumental'", diz Guilherme Granado,
27, que toca teclado, vibrafone
e escaleta no Hurtmold. Para o
músico, não ter letras é uma
opção estética.
"O fato de não ter voz na
maioria das nossas músicas é
algo incidental [o grupo já fez
algumas canções com letras no
passado]. Ultimamente não temos o que expressar em letras.
A intenção é expressar o sentimento de uma música; são mais
sensações do que idéias claras."
Frank Zappa
Além de sensações, o grupo
Mamma Cadela, que lança seu
disco de estréia, "Mamma Cadela em Busca da Verdade",
prefere seguir a intuição.
Formado pelo guitarrista
Fernando Coelho, o quinteto
surgiu a partir da vontade do
músico de fazer um projeto eletrônico. "Fui na Galeria Ouro
Fino [shopping na rua Augusta]
em busca de um DJ. Mas só ouviam trance [vertente da eletrônica mais psicodélica]. Eu tinha nojo de trance. Mas daí entrei numa loja e tinha um DJ
ouvindo Miles Davis", diz Coelho, sobre como conheceu Ismael Sendeski, que comanda a
parte eletrônica do Mamma.
"Nosso processo de composição era baseado no improviso,
como uma jam session. Mas,
depois, ouvimos muito Beatles,
e começamos a compor melodias." O resultado são faixas
com referências que vão de
Pink Floyd a Frank Zappa e Nino Rota, colaborador do cineasta Federico Fellini. "Dentadura
de Robô", por exemplo, poderia
estar no filme "E La Nave Va"
se lá pelo meio não partisse para a psicodelia.
Zanzibar e punk
"Não gostamos de ser rotulados como "pós-rock" [termo cunhado pelo crítico inglês Simon
Reynolds nos anos 90 para designar bandas que usam "instrumentação de rock para fins
não-roqueiros']. Fazemos música "derretida'", diz Coelho.
Mesmo que não haja apenas
uma única explicação para o interesse por essas bandas, o fato
é que, novamente, a internet é
uma das "culpadas". "Hoje as
pessoas ouvem muitos tipos de
sons e andam menos preconceituosas. Claro que ainda tem
o adolescente radical chato,
metaleiro, mas isso mudou."
O próprio Hurtmold, por
exemplo, tem fortes conexões
com a cena do punk e hardcore,
mesmo que isso não transpareça diretamente na sonoridade.
"Eu ouvia muito as bandas
dos anos 80, como Hüsker Dü,
Bad Brains, Minutemen, que tinham uma ligação com o punk
mais no sentido da idéia de liberdade, de urgência. É algo
que remete aos músicos de free
jazz", explica Granado, que
atualmente anda fascinado pela música feita em Zanzibar
(Tanzânia, África) nos anos 70.
Já o trompetista Gui Mendonça, que tem formação jazzística, criou o projeto Guizado,
com sons do videogame portátil Game Boy e o imaginário do
jazzista Ornette Coleman.
Cita como referência o norte-americano Prefuse 73 e artistas que "têm uma bagagem
do hip hop experimental, caras
de cabeça mais aberta". "Quando bandas de hardcore, como o
Fugazi, começaram a fazer músicas instrumentais, o público
do rock começou a aceitar mais
mudanças. Hoje, o público sabe
que rock instrumental não é algo cabeça e chato, e viu que essa
música tem emoção."
Se, antes, a banda Ira! era a
cara de São Paulo, ao cantar
versos como "Pobre São Paulo,
pobre paulista", hoje, grupos
"silenciosos" como Hurtmold
refletem toda a confusão, as
contradições e a variedade cultural que movem a cidade.
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