São Paulo, terça-feira, 17 de julho de 2007

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CECILIA GIANNETTI

Feliz escalada do subúrbio


Era uma vez Copacabana, que explodiu para renascer cidade dentro de uma cidade. Existe à parte há décadas

A VERDADE que os velhos cantam desde sempre é que Copacabana acabou, ai de ti etc., mas o que nela acusavam de fim dos tempos era só o início de um processo. Era uma vez um bairro, que explodiu para renascer cidade dentro de uma cidade. Existe à parte há décadas, concentrando o pior e o melhor do Rio.
Quando morei lá, sabia como funcionava em todos os horários: do dia da feira à madrugada dos carros que passam de faróis baixos, à procura. Continuará assim, tema de novela, líquida e falsa, extrema e sublime, gosmenta e ardorosa, decaída, onde aprendi esses e outros adjetivos que conheço e não aplico a mais nada senão pra descrever um pouco de Copacabana.
Hoje, cheia de tendas armadas para o Pan. Ai do Pan.
Ipanema e Leblon têm mesas de bar melhor dispostas, mais limpas. É a impressão que fica da displicência estudada de seus assépticos botequins, que se desdobram em franquias onde passa o tempo mais lento de todos os tempos.
Quase consultórios médicos, se comparados a verdadeiros pés-sujos de outros cantos. São bairros sem bares imundos. Talvez tenha sobrado de pé um único entre Ipanema e Leblon, freqüentado por quase ninguém. Mas é secreto. Não o encontro sozinha, sem os amigos de antigamente.
Copacabana suburbanou-se toda, edifício Master, galeria Alaska, formigueiro da Nossa Senhora e da Barata Ribeiro, dona das árvores, dos porteiros, dos nomes dos prédios, dos endereços errados, da pronta-entrega das farmácias e pizzarias, da opção pelo que é solitário, da omissão dos guardas, de poodles encardidos, escarros pelas janelas, dos turistas que ficam e dos que não têm a força necessária para ficar, e descobrir se esgotaram rápido demais sua vontade de esgotar tudo o que existe.
Na feira para gringos perto da colônia de pescadores, no Posto 6, vendem-se a preço alto pedras não-preciosas, camisetas onde se lê "cachaça" com letra do logo da Coca-Cola, narguilês, biquínis, atabaques, cocada, acarajé.
Os camelôs me exibem colares, me põem um chapéu de palha, me dão um tamborim, como se eu fosse estrangeira em Copacabana. Ao fim das filas de barracas, numa calçada de frente para um cruzamento, uma caixa de isopor tampada por um tabuleiro de xadrez permanece à espera de dois jogadores.
Os gringos que vêm a Copa gastam os tubos em passagens de avião, hotel, safáris picaretas em favelas. Pra ver as mesmas coisas que a gente daqui tem ao alcance de uma Kombi, pra ficar num exemplo: é descer a Rocinha, Nova York das favelas, e tá na praia.
Paga bem o turista pra deitar nas cadeiras reclináveis do Copacabana Palace ou do Marina, fincadas na mesma areia onde estão as cadeiras oferecidas a R$ 2 pelos barraqueiros do Leme a São Conrado. Paga bem pelo que os locais, com emprego fixo ou bicos ou nada além de tempo, têm quase de graça. E graças a Deus: ao menos têm isso.


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