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A submissa, a devassa e a tragédia
"Women Without Men", filme da artista iraniana Shirin Neshat, traça um painel crítico e ao mesmo tempo utópico da condição das mulheres no Irã
Divulgação
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Acima, cena do filme "Women Without Men", da artista
Shirin Neshat;
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
É árido o terreno de Shirin
Neshat. Mulher, artista, iraniana, ela equilibra gênero, origem
e profissão num vácuo.
Acostumada a gritar para
ninguém ouvir, Neshat acaba
de trocar as artes visuais pelo
cinema, algo que compara a
trocar a poesia pela prosa. "Sou
muito lenta, hipnótica", resume em entrevista à Folha.
"Mas sei que se continuar assim, vou perder meu público."
Há dez anos, Neshat venceu
o Leão de Ouro na Bienal de
Veneza por sua obra artística.
Ela volta à cidade agora para
competir por outro Leão, desta
vez no Festival de Cinema, que
começa no mês que vem.
Mas não são tão distintos os
projetos. Na esteira do estardalhaço causado pela também
iraniana Marjane Satrapi e seu
cartum-manifesto "Persépolis", Neshat deve ganhar projeção mundial com "Women Without Men", ou mulheres sem
homens, filme que junta as
mesmas personagens que povoam suas videoinstalações.
São cinco mulheres: a submissa, a solitária, a devassa, a
revolucionária e a artista. Migraram do romance da iraniana
Shahrnush Parsipur, escrito há
20 anos, para as instalações de
Neshat -e agora vão ao cinema, num painel crítico e utópico da condição feminina no Irã.
Neshat tem um pouco de cada uma delas. Diz ser complexada com o próprio corpo, que
vê como um problema no país.
Também se espelha na revolucionária e acredita, como a artista, que a válvula de escape
numa sociedade repressora é
mesmo a fantasia, utopias forjadas a qualquer custo.
"Essa é a forma mais universal de traduzir certas opiniões",
diz Neshat. "Artistas podem
ser grandes comunicadores da
tragédia humana sem pregar
ideologia ou propaganda."
No filme, Teerã vive o golpe
de Estado que derrubou o premiê Mohammed Mossadegh
em 1953, e as mulheres de Neshat se refugiam num jardim
encantado -a violência diluída
em tintas fantásticas.
Não que a mulher precise de
uma redoma para viver, mesmo no Irã. "Não sou uma feminista de verdade", diz Neshat.
"A ideia de utopia transcende
gênero e nacionalidade."
Neshat planta as flores de
seu jardim acreditando numa
"necessidade de refúgio, exílio"
universal. "Homens e mulheres fogem em busca de segurança, numa questão existencial", diz. "É possível abandonar esse mundo para encarar a
própria condição humana."
Embora estenda a questão
para abarcar também os homens, Neshat fez toda a sua
obra girar em torno de ser mulher. São opostos absolutos que
dão carga aos trabalhos. Numa
videoinstalação dos anos 90,
pôs lado a lado um homem e
uma mulher. Ele canta para um
teatro lotado; ela grita, chora,
urra diante da plateia vazia.
Se a raiz imediata da obra é a
proibição que mulheres cantem em público no Irã, Neshat
extrai algo maior do contexto.
Questiona o que deve criar
uma artista mulher diante de
um público ausente, como pode soar uma canção no vácuo.
"Não sou uma mulher obcecada por mulheres, só entendo
a cabeça delas e tento revelar
por elas a complexidade da sociedade, da religião", diz. "Mulheres no Irã são fascinantes,
pela forma que confrontam a
autoridade, a censura, mas não
reduzo meu trabalho a isso."
Melancolia nostálgica
Mais do que isso, Neshat carrega nas imagens e metáforas
para narrar seus dramas femininos. "É muito visual, ponho
muita ênfase no poder das imagens", diz a artista. "Faço algo
minimalista e metafórico."
Nessa proposta, Neshat não
olha para nomes do cinema iraniano. Descarta Abbas Kiarostami, diretor mais conhecido
de seu país, como "convencional", mesmo com seu ritmo arrastado e longuíssimos planos
estáticos. Ela diz buscar a melancolia nostálgica de cineastas
do Leste Europeu: Andrei Tarkovsky e Krzysztof Kieslowski.
"Kieslowski é poderosíssimo
do ponto de vista moral, visual
nem tanto", diz, sobre o polonês. "Tarkovsky tem um visual
profundo. É muito sombrio,
talvez porque venha de um país
comunista", diz, sobre o russo.
Ela também não se desliga da
política. Sabe que fez um dos
poucos filmes que discute de
forma aberta o apoio de britânicos e norte-americanos ao
golpe de Estado que instaurou
um regime totalitário no Irã, o
que chama de momento "monumental" na história do país.
Não difere muito dos episódios de dois meses atrás, quando o presidente ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad
foi reeleito, desencadeando ondas de protestos violentos.
"Há uma ressonância incrível entre as imagens de 1953 e
as de hoje", diz ela. "As pessoas
saíram às ruas então pedindo o
mesmo que querem agora. É
um sentimento de traição."
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