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"Devotos" narra a vida do punk do Recife
Trajetória da banda Devotos é fio condutor de livro que aborda o pop no Alto José do Pinho, na periferia da cidade
Escrita pelo jornalista Hugo Montarroyos, a obra descreve como nasceram grupos como o Faces do Subúrbio
THIAGO NEY
DE SÃO PAULO
Enquanto Chico Science e
Fred Zero Quatro fincavam
antenas parabólicas no mangue, unindo regionalismo a
sons globalizados, um grupo
de garotos de uma área pobre
do Recife traduzia insatisfação e inconformismo em canções rápidas, agressivas.
O mangue beat de Nação
Zumbi e Mundo Livre ganhou o Brasil no início dos
anos 1990 e jogou luz sobre a
música produzida na cidade.
No Alto José do Pinho, na
periferia do Recife, alguns jovens buscavam inspiração
não no maracatu ou nas tradições nordestinas, mas em
Ramones, Sex Pistols, Clash.
Não tinham dinheiro para
comprar instrumentos nem
para pagar aulas de música.
Assim, construíram guitarra
com sucata e aprenderam a
tocar na marra.
Politizados, suas faixas furiosas jorravam críticas ao estado das coisas na capital
pernambucana. Não tinham
muita noção do que estavam
criando, mas foram em frente. Vinte anos depois, tornaram-se parte importante da
história do rock brasileiro.
Cannibal (voz e baixo),
Neilton (guitarra) e Celo
Brown (bateria) criaram o
Devotos do Ódio em 1988.
Hoje o grupo se chama apenas Devotos e virou o livro
"Devotos: 20 Anos", do jornalista Hugo Montarroyos.
Montarroyos, 35, cobre a
música do Recife há algum
tempo, principalmente para
o site Recife Rock (www.reciferock.com.br), e decidiu
compilar em livro a história
do Alto José do Pinho -e, por
tabela, do Devotos- após
uma longa entrevista feita
com a banda, em 2008.
O Devotos é o fio condutor
da narrativa, mas há espaço
para outros nomes que ajudaram a construir uma cena
no Alto José do Pinho, como
o Faces do Subúrbio.
Não é pouca coisa. A maioria das casas do Alto José do
Pinho só recebeu água encanada no final dos anos 1980.
O bairro possui 12 mil habitantes espalhados em uma
área de 0,41 km2 (como comparação: a Bela Vista, em São
Paulo, reúne 58 mil moradores em 2,6 km2).
"A princípio, seria um livro sobre o Alto, sobre uma
geração de bandas que mudou o ambiente cultural do
bairro", diz Montarroyos.
"Mas o peso do Devotos
nessa história era muito forte. Foi a banda que fez o circuito dos subúrbios e a primeira a descer para tocar para a classe média, em festivais como Abril pro Rock."
Fred Zero Quatro, 48, vocalista do Mundo Livre, lembra, à Folha, o ambiente do
Recife no início dos 1990:
"Havia várias subculturas
na periferia, e o que elas tinham em comum era um
sentimento de estarem excluídas dentro da própria cidade. No ambiente cultural,
havia um conservadorismo
regionalista muito arraigado
e uma rejeição do discurso
urbano. O pop era sufocado
dentro da própria cidade".
O rock do Devotos ajudou
a acabar com esse preconceito. Chegou a hora de o Brasil
reconhecer essa história.
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