São Paulo, sábado, 17 de setembro de 2005

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BEST-SELLER NA MIRA

Zadie Smith faz versão atual de E.M. Forster

MICHIKO KAKUTANI
DO "NEW YORK TIMES"

A frase que abre o novo e glorioso romance de Zadie Smith anuncia a origem do livro: "Poderíamos começar com os e-mails de Jerome a seu pai". Trata-se, evidentemente, de um eco da frase inaugural do romance de E.M. Forster "Howards End" [Ediouro], de 1910, que começa com: "Poderíamos começar com as cartas de Helen a sua irmã".
Embora a trama de "On Beauty" (sobre a beleza) se assemelhe notavelmente à de "Howards End", Zadie Smith conseguiu o feito difícil de pegar um clássico famoso e amado e reinventá-lo totalmente, criando uma história própria. Ela pegou um romance sobre a Inglaterra da era eduardiana -sobre classes sociais e exigências do idealismo e do dinheiro, sobre um país à beira das reviravoltas sociais da 1ª Guerra Mundial- e o usou como plataforma de lançamento de uma história inteiramente original sobre famílias e mudanças de gerações, sobre raça e multiculturalismo na América do novo milênio, sobre amor e identidade e como a passagem do tempo os afeta.
Smith apresenta uma seqüência fascinante de seu brilhante romance "Dentes Brancos" [Companhia das Letras], de 2000, o livro que colocou a escritora britânica, então com 24 anos, no mapa literário internacional. "On Beauty", uma espécie de conclusão desse livro de estréia, é também um romance ambientado na cidade grande (mas, em lugar de Londres, o local é sobretudo Boston), animado por um senso vibrante de como as pessoas vivem e falam hoje, quer sejam acadêmicos de classe média alta, imigrantes haitianos marginalizados, candidatos a astros do hip hop ou neoconservadores afeitos a proferir sermões.
Seguindo o exemplo tanto de "Dentes Brancos" como de "Howards End", "On Beauty" gira em torno das histórias de duas famílias cujas vidas estão interligadas e que representam maneiras muito distintas de enxergar o mundo. Zadie Smith às vezes cria um efeito de manipulação excessiva de sua história, mas esses lapsos são rapidamente superados por seu dom instintivo de contadora de histórias, sua sensibilidade espantosa para os diálogos e o mágico acesso que ela tem à vida interior de seus personagens.
"On Beauty" começa com a proposta de proporcionar ao leitor um olhar irreverente da política acadêmica, da correção política e de como as diferentes gerações encaram questões de raça e classe social, mas seu foco real é sobre as relações pessoais -aquilo que, para E. M. Forster, era "a vida real, sempre e para todo o sempre". Como Forster, Zadie Smith possui uma voz autoral cativante -abrangente o suficiente para abarcar a seriedade moral, o humor casual e virtualmente tudo o que existe entre um extremo e outro-, e utiliza essa voz para nos presentear com algo raro: um romance que é tão comovente quanto divertido e provocante.


Tradução de Clara Allain

On Beauty
Autor:
Zadie Smith
Editora: Penguin
Quanto: US$ 25,95 (R$ 60); 464 págs.
Onde comprar: www.amazon.com


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