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GUILHERME WISNIK
Pacote pra presente
Ao entregar a Luz para o mercado imobiliário, prefeitura abdica de arbitrar a sua transformação
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PARA o mês que vem, a prefeitura anuncia o início de uma das
maiores operações imobiliárias da história de São Paulo: a desapropriação e demolição de uma
grande área no bairro da Luz, estigmatizada pelo apelido de cracolândia. Com aproximadamente dez
quarteirões, o conjunto será licitado
como se fosse um lote único, sendo
já disputado por dois grandes grupos: a construtora Odebrecht e um
pool de empresas liderado pela incorporadora Company S. A.
Entregando o bairro inteiramente
para o mercado imobiliário, a prefeitura abdica de qualquer regulação
arbitrada de sua transformação, rifando a idéia de uma política social e
urbanística de interesse coletivo.
Em outras palavras, terceiriza a
expulsão dos moradores dos inúmeros cortiços e ocupações de sem-teto
da região, evitando o desgaste decorrente desses enfrentamentos. E,
de quebra, promete "superar" um
dos maiores entraves ao sucesso
da operação: as diretrizes do Plano
Diretor que fixam Zonas Especiais
de Interesse Social (Zeis) na região.
Concessão social que, evidentemente, não figura nos planos dos inves-
tidores.
Como fica claro, a ação é de uma
desfaçatez escancarada, coroando a
política de "revitalização" da área
que vem sendo posta em prática pelo poder público desde a década de
90. Mas apagando, contudo, toda a
ilusão "civilizatória" que esta parecia conter. Sim, pois quando a Sala
São Paulo foi inaugurada, ao som da
"Ressurreição", de Mahler, o orgulhoso secretário da Cultura Marcos
Mendonça anunciava os novos investimentos culturais na região como âncoras de uma retomada do
centro por elites e classes médias
ilustradas. Enclave em meio a um
entorno degradado, a sala firmava
um modelo que deveria servir de
atração para novos investimentos,
resgatando a feição outrora "glamourosa" dos Campos Elíseos. No
entanto, a atual entrega do bairro
como um pacote fechado para a iniciativa privada revela uma nítida desistência daquela transformação
lenta e orquestrada, ao mesmo tempo que confirma os pressupostos
econômicos daquelas "parcerias público-privadas".
Perde-se, com isso, a chance histórica de realizar uma discussão pública efetiva sobre a distribuição espacial da riqueza em São Paulo, levando em conta a vocação eminentemente popular das áreas centrais,
reforçada pela transformação da
Luz em principal articulação de
transporte da cidade, com a construção da linha quatro do metrô.
Além disso, deixa-se um precedente
sinistro para a transformação futura
de bairros com configuração semelhante, como o Brás e a Barra Funda.
A idéia de tratar uma vasta área
como lote único, para efeito de projeto, não é má em si. Ao contrário, se
conduzida por um plano embasado
em políticas sociais consistentes, é o
melhor modo de se evitar o particularismo das soluções fragmentadas,
garantindo-lhe coesão de princípios. Infelizmente, no entanto, não
parece ser este o caso. Trata-se, sim,
de um pacote com embrulho de presente para construtoras e empreiteiras, com os melhores votos de lucro e prosperidade.
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