São Paulo, quinta-feira, 17 de setembro de 2009

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Ai! Weiwei

Importante artista e ativista da China fala à Folha sobre arte e política no país; chinês se recupera de cirurgia após apanhar da polícia

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

O ativismo político do mais famoso artista da China foi parar nesta semana em uma sala de cirurgia na Alemanha.
Um mês após apanhar da polícia chinesa em um protesto e sofrendo dores de cabeça, Ai Weiwei, 52, precisou da intervenção do bisturi para conter um sangramento interno.
Ai lançou uma campanha para dar nome às crianças vítimas do terremoto do ano passado em seu país, depois que o governo abafou o escândalo das "escolas de areia".
Morreram em escolas de construção precária 5.535 crianças.
O governo calou o protesto dos pais das vítimas, que foi encampado pelo artista. Seu popular blog foi bloqueado em maio. No Twitter, também bloqueado na China, ele postou fotos pré e pós-cirurgia, feita em Munique.
O aumento do confronto verbal e físico entre Ai e as autoridades chinesas coincide com o auge do reconhecimento de sua obra. Ele foi para a Alemanha abrir a exposição "So Sorry" (sinto muito).
Até novembro, a maior retrospectiva de sua obra está em cartaz no museu Mori, de Tóquio, com 26 trabalhos desenvolvidos entre 1994 e 2009. A exposição apresenta os interesses múltiplos de Ai, da instalação e fotografia à provocação política e arquitetura.
Ai é conhecido por ter participado na concepção do Estádio Olímpico de Pequim, convidado pelos arquitetos suíços Herzog e De Meuron, o chamado "Ninho de Pássaro".
De sua prancheta saíram mais de 50 construções, entre edifícios comerciais, residências, restaurantes e até uma vila de ateliês para amigos artistas, no bairro de Caochangdi, em Pequim.

Serpente e fadas
Em Tóquio, sua obra mais recente é uma longa serpente formada por centenas de mochilas escolares e que dá voltas pelo teto do museu.
"Depois do terremoto, havia milhares de mochilas espalhadas, única lembrança das crianças. E a serpente, para os chineses, sempre indica o perigo que está à espreita", disse Ai para a Folha na semana passada, quando já se queixava de dores de cabeça.
Sua grande retrospectiva em Tóquio, visitada pela reportagem, também apresenta vídeos e fotos da performance que fez na Documenta de Kassel, em 2007. Em "Conto de Fadas", ele levou 1.001 chineses que nunca tinham viajado ao exterior para o evento artístico na Alemanha, acompanhados de 1.001 cadeiras no estilo da dinastia Qing.
"Ocidente e Oriente precisam se encontrar, com o medo e a curiosidade que isso implica", diz. "Acho que os participantes acham que aquela pequena cidade encantada alemã é o Ocidente. Voltaram mais confusos, o que é bom para a imaginação e a fantasia", brinca o artista.
As galerias da pequena Kassel tiveram seus dias de superpopulação com 1.001 chineses de um lado para outro.
Várias obras tratam da nova China. Duas grandes tigelas estão recheadas de pérolas cultivadas, como por venda a quilo. "O luxo, quando em excesso, fica banal", diz. "A China de hoje é obcecada em ficar rica e o Partido Comunista está cheio de corruptos, que não sabem como gastar", diz.
Dificilmente a exposição será apresentada em Pequim. "Para a censura chinesa, arte só cabe se for propaganda ou inofensiva", diz. "Mas sou otimista, algum dia vou exibir aqui."
Ele não se empolga com os 60 anos da chegada do comunismo ao poder, que serão comemorados com pompa em 1º de outubro.
"Se eles não têm coragem de concorrer em eleições, se os burocratas estão ricos, se nosso povo é pobre, não há o que comemorar. Deveria ser tempo de silêncio, de reflexão."
Ai só celebra o fim da bolha da inflacionada arte chinesa, graças à crise econômica internacional. "O mundo da arte como um todo precisava dessa chacoalhada. É uma lição para novos comportamentos; tomara que não só na arte."
No Twitter, ele disse ontem que vai se recuperar logo. "Sou um artista bem-sucedido, posso me tratar bem. Milhões recebem o mesmo tratamento da polícia, mas sofrerão essas dores pelo resto da vida."


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