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"Só existem pessoas de mentira nesta eleição", diz José Padilha
Cineasta classifica candidatos como "fracos" e afirma que votará em branco para presidente
Diretor diz sonhar com a extinção de "categorias esquerda e direita", que "morrem lentamente, muito lentamente"
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
O cineasta José Padilha diz
que possuir "uma visão científica da vida" é o que lhe resta, já que não crê em Deus.
Contudo, cita o mestre budista Lin-Chi em entrevista à
Folha, em SP, anteontem.
Desde que passou de estreante em ficção a vencedor
do Urso de Ouro com "Tropa
de Elite", Padilha tem sua
personalidade perscrutada.
É de direita ou de esquerda? Altruísta ou ambicioso?
Mais interessado em alimentar dualidades do que
em afastá-las, ele defende
um Estado menor e o Bolsa
Família; diz que o país só elege os piores políticos e apoia
um candidato à reeleição.
Quando lançar "Tropa de
Elite 2", em outubro, talvez
Padilha crave o maior sucesso nacional em 2010. E talvez
sepulte, com ele, o Capitão
Nascimento, mais querido e
polêmico herói/vilão que o
cinema brasileiro produziu
nesta década.
(SA)
Folha - Com sua "visão científica da vida", como encara a
política brasileira, linha de
força de "Tropa de Elite 2"?
José Padilha - A melhor
teoria a ser aplicada à política brasileira é a do processo
seletivo darwiniano, no qual
as regras de seleção determinam as características das
pessoas selecionadas.
A forma pela qual a política é feita no Brasil seleciona
os piores políticos possíveis.
Se o cara rouba dinheiro
da máquina pública e faz caixa dois de campanha, ele
tem mais chance de se eleger,
porque tem mais dinheiro.
As regras favorecem a sobrevivência dos desonestos.
A Lei da Ficha Limpa é o
acontecimento mais importante desta eleição, porque é
uma mudança nas leis seletivas desse processo.
Você declarou apoio à reeleição do deputado estadual
Marcelo Freixo (PSOL/RJ).
Acha que ele é uma exceção
no cenário que descreve de
seleção dos piores?
Deixe-me ser preciso. Nesse processo darwiniano de
seleção negativa que é a política brasileira, sobrevivem as
exceções que confirmam a
regra. O Brasil tem políticos
de grande valor e honestos.
São poucos, mas existem.
Marcelo Freixo é um cara
que conheço pessoalmente.
Ele fez duas coisas fundamentais pelo Estado no qual
pretende se eleger -a cassação do Álvaro Lins, que era
chefe da Polícia Civil do governo Garotinho e estava
acusado de envolvimento
numa série de crimes, e a instauração da CPI das milícias.
Embora sem declarar apoio,
tem candidato à Presidência?
Se eu fosse fazer um filme
e me dessem um roteiro com
os personagens de Serra, Dilma e Plínio, eu devolveria e
mandaria reescrever.
São personagens fracos,
sem o menor interesse. É tudo estratégia de campanha.
Não tem ninguém autêntico.
Há uma frase de um budista famoso chamado Lin-Chi:
"Mostre-me uma pessoa verdadeira sem cargo nenhum".
Não há um nesta eleição.
Só existem pessoas de mentira. É tudo encenado por marqueteiros. A eleição está sem
alma. Não voto em nenhum.
Vou votar em branco.
"Tropa de Elite 2" tinha estreia prevista para agosto. O
mercado do cinema brasileiro se alvoroçou, imaginando
que você cumpriria o objetivo
de influir no resultado da
eleição presidencial.
Não sei dizer. "Tropa de
Elite" não influi... Muita presunção, não? Os políticos
atribuem esses poderes ao cinema. Eu não atribuo. Não
acho que "Tropa de Elite 2"
lançado em agosto iria mudar rigorosamente nada no
resultado das eleições.
Embora tenha o hábito de
corrigir as perguntas que
considera imprecisas, você
não refutou a afirmação de
que pretendia influir no resultado da eleição brasileira.
Que um filme lançado em
agosto mude o resultado de
uma eleição em outubro é
pretensão que não tenho.
Mas que os meus filmes, os
livros do Luiz Eduardo [Soares], os filmes do Walter Salles, os do Fernando Meirelles, o trabalho da cultura, ao
longo do tempo, tenham
uma influência nas eleições,
quiçá daqui a 15 anos é uma
pretensão que eu tenho.
Se não tivesse essa pretensão, se achasse que a cultura
é irrelevante para a política,
não faria filme político.
Você pretende que a cultura
influa para que o Brasil daqui
a 15 anos penda para a esquerda ou para a direita?
Acho que as categorias esquerda e direita têm hoje menos valor heurístico do que tinham antes. Servem menos
para entender do que, por
exemplo, na Guerra Fria.
Acho que essas categorias
vão perder valor ao longo do
tempo. Já estão perdendo. Já
não é tão claro o que é de esquerda e o que é de direita.
Daqui a 15 anos, eu gostaria que a ideia de esquerda e
direita tivesse muito menos
peso do que tem hoje. Só que
essas categorias morrem lentamente. Muito lentamente.
Reformulo a pergunta: daqui
a 15 anos, você gostaria que o
Estado tivesse um papel mais
acentuado ou menos acentuado na economia e na organização social brasileiras?
Acho que o Estado brasileiro é maior do que deveria
ser. O Estado tem que estar
na educação, na manutenção das leis, tem que ter uma
estrutura militar de defesa do
país e fornecer polícia.
O Estado tem que se preocupar em fazer com que a
concorrência seja leal -deve
ter leis antimonopólio e antioligopólio. No frigir dos
ovos, acho que o Estado tem
que ser muito menor do que
ele é. Paradoxalmente, acho
que tem que haver o Bolsa
Família. Aí vem a coisa de
que não sou nem de esquerda nem de direita.
Como está a prevenção à pirataria de "Tropa de Elite 2"?
Estamos vigilantes, com
câmeras e policiais nos lugares onde som e imagem estão
arquivados, que são só dois.
O nome do Capitão Nascimento é referência a Sandro
Nascimento, o sequestrador
do ônibus 174, tema de seu
primeiro filme. Você diz que
"Tropa de Elite 2" encerra a
discussão. Sandro Nascimento morreu sob a guarda do Bope. Se a discussão termina em
"Tropa de Elite 2", Nascimento é assassinado pelo Bope?
Vá ver o filme. Você acha
que eu vou te contar isso?!
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