São Paulo, sexta-feira, 17 de setembro de 2010

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"Só existem pessoas de mentira nesta eleição", diz José Padilha

Cineasta classifica candidatos como "fracos" e afirma que votará em branco para presidente

Diretor diz sonhar com a extinção de "categorias esquerda e direita", que "morrem lentamente, muito lentamente"


EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

O cineasta José Padilha diz que possuir "uma visão científica da vida" é o que lhe resta, já que não crê em Deus. Contudo, cita o mestre budista Lin-Chi em entrevista à Folha, em SP, anteontem.
Desde que passou de estreante em ficção a vencedor do Urso de Ouro com "Tropa de Elite", Padilha tem sua personalidade perscrutada.
É de direita ou de esquerda? Altruísta ou ambicioso? Mais interessado em alimentar dualidades do que em afastá-las, ele defende um Estado menor e o Bolsa Família; diz que o país só elege os piores políticos e apoia um candidato à reeleição.
Quando lançar "Tropa de Elite 2", em outubro, talvez Padilha crave o maior sucesso nacional em 2010. E talvez sepulte, com ele, o Capitão Nascimento, mais querido e polêmico herói/vilão que o cinema brasileiro produziu nesta década. (SA)

 

Folha - Com sua "visão científica da vida", como encara a política brasileira, linha de força de "Tropa de Elite 2"?
José Padilha
- A melhor teoria a ser aplicada à política brasileira é a do processo seletivo darwiniano, no qual as regras de seleção determinam as características das pessoas selecionadas.
A forma pela qual a política é feita no Brasil seleciona os piores políticos possíveis.
Se o cara rouba dinheiro da máquina pública e faz caixa dois de campanha, ele tem mais chance de se eleger, porque tem mais dinheiro.
As regras favorecem a sobrevivência dos desonestos. A Lei da Ficha Limpa é o acontecimento mais importante desta eleição, porque é uma mudança nas leis seletivas desse processo.

Você declarou apoio à reeleição do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL/RJ). Acha que ele é uma exceção no cenário que descreve de seleção dos piores?
Deixe-me ser preciso. Nesse processo darwiniano de seleção negativa que é a política brasileira, sobrevivem as exceções que confirmam a regra. O Brasil tem políticos de grande valor e honestos. São poucos, mas existem.
Marcelo Freixo é um cara que conheço pessoalmente. Ele fez duas coisas fundamentais pelo Estado no qual pretende se eleger -a cassação do Álvaro Lins, que era chefe da Polícia Civil do governo Garotinho e estava acusado de envolvimento numa série de crimes, e a instauração da CPI das milícias.

Embora sem declarar apoio, tem candidato à Presidência?
Se eu fosse fazer um filme e me dessem um roteiro com os personagens de Serra, Dilma e Plínio, eu devolveria e mandaria reescrever.
São personagens fracos, sem o menor interesse. É tudo estratégia de campanha. Não tem ninguém autêntico.
Há uma frase de um budista famoso chamado Lin-Chi: "Mostre-me uma pessoa verdadeira sem cargo nenhum".
Não há um nesta eleição. Só existem pessoas de mentira. É tudo encenado por marqueteiros. A eleição está sem alma. Não voto em nenhum. Vou votar em branco.

"Tropa de Elite 2" tinha estreia prevista para agosto. O mercado do cinema brasileiro se alvoroçou, imaginando que você cumpriria o objetivo de influir no resultado da eleição presidencial.
Não sei dizer. "Tropa de Elite" não influi... Muita presunção, não? Os políticos atribuem esses poderes ao cinema. Eu não atribuo. Não acho que "Tropa de Elite 2" lançado em agosto iria mudar rigorosamente nada no resultado das eleições.

Embora tenha o hábito de corrigir as perguntas que considera imprecisas, você não refutou a afirmação de que pretendia influir no resultado da eleição brasileira.
Que um filme lançado em agosto mude o resultado de uma eleição em outubro é pretensão que não tenho.
Mas que os meus filmes, os livros do Luiz Eduardo [Soares], os filmes do Walter Salles, os do Fernando Meirelles, o trabalho da cultura, ao longo do tempo, tenham uma influência nas eleições, quiçá daqui a 15 anos é uma pretensão que eu tenho.
Se não tivesse essa pretensão, se achasse que a cultura é irrelevante para a política, não faria filme político.

Você pretende que a cultura influa para que o Brasil daqui a 15 anos penda para a esquerda ou para a direita?
Acho que as categorias esquerda e direita têm hoje menos valor heurístico do que tinham antes. Servem menos para entender do que, por exemplo, na Guerra Fria.
Acho que essas categorias vão perder valor ao longo do tempo. Já estão perdendo. Já não é tão claro o que é de esquerda e o que é de direita.
Daqui a 15 anos, eu gostaria que a ideia de esquerda e direita tivesse muito menos peso do que tem hoje. Só que essas categorias morrem lentamente. Muito lentamente.

Reformulo a pergunta: daqui a 15 anos, você gostaria que o Estado tivesse um papel mais acentuado ou menos acentuado na economia e na organização social brasileiras?
Acho que o Estado brasileiro é maior do que deveria ser. O Estado tem que estar na educação, na manutenção das leis, tem que ter uma estrutura militar de defesa do país e fornecer polícia.
O Estado tem que se preocupar em fazer com que a concorrência seja leal -deve ter leis antimonopólio e antioligopólio. No frigir dos ovos, acho que o Estado tem que ser muito menor do que ele é. Paradoxalmente, acho que tem que haver o Bolsa Família. Aí vem a coisa de que não sou nem de esquerda nem de direita.

Como está a prevenção à pirataria de "Tropa de Elite 2"?
Estamos vigilantes, com câmeras e policiais nos lugares onde som e imagem estão arquivados, que são só dois.

O nome do Capitão Nascimento é referência a Sandro Nascimento, o sequestrador do ônibus 174, tema de seu primeiro filme. Você diz que "Tropa de Elite 2" encerra a discussão. Sandro Nascimento morreu sob a guarda do Bope. Se a discussão termina em "Tropa de Elite 2", Nascimento é assassinado pelo Bope?
Vá ver o filme. Você acha que eu vou te contar isso?!


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