São Paulo, sábado, 17 de setembro de 2011 |
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livros CRÍTICA POESIA Estilo tardio exibe radicalidade de Francisco Alvim Com alto grau de maturidade, poeta mineiro busca forma complexa e irrequieta no livro "O Metro Nenhum" AUGUSTO MASSI ESPECIAL PARA A FOLHA Quarenta anos separam o livro de estreia, "Sol dos Cegos" (1968), do seu mais recente lançamento, "O Metro Nenhum". Nesse tempo, Chico Alvim construiu uma trajetória na qual "Passatempo" (1974) e "Elefante (2000)" representam pontos de virada. O primeiro surgiu no bojo da chamada poesia marginal; o segundo -motivo de tanta discussão- caminhou com as próprias pernas. Comparado a outros poetas, o corpus de sua obra é parcimonioso, enxuto, magro. À primeira vista, "O Metro Nenhum" tende a ser uma leitura de reconhecimento. Ao identificar procedimentos, falas e imagens, o leitor sente-se numa zona de conforto. Assim como, diante de um velho amigo, tecemos o elogio habitual: "Você não mudou nada, continua o mesmo". Mas, no caso desse livro, uma recepção crítica tão pacificada pode indicar apenas que o leitor envelheceu. "O Metro Nenhum" é uma obra de estilo tardio. Seguindo de perto a formulação utilizada por Edward Said, sua novidade parece estar vinculada a um estado avançado da experiência do artista. Não no sentido da idade, mas na busca de uma forma complexa, irrequieta e áspera, típica das realizações modeladas por um alto grau de maturidade. Chico Alvim parece pinçar o nervo da questão. A negatividade que o título anuncia contamina todo o conjunto, cuja síntese encontra-se no poema "Nada, Mas Nada Mesmo": "tem a menor importância/ Nem antes/ Nem depois/ Nem durante". Paradoxalmente, é a partir dessa negação radical que podemos avaliar a força e a ambição do autor. Ao reivindicar tamanha liberdade, ele demonstra ter consciência da própria radicalidade, escrevendo como quem não tem nada a perder. O vigor e a juventude do livro residem na percepção de que só é possível avançar, pois já não há hipótese de retorno. Por isso mesmo, Chico Alvim pode desmontar e remontar diante de nós diversas etapas da construção da obra. Por vezes, expõe o leitor à experiência de estar folheando um livro literalmente aberto, onde é possível tomar conhecimento da discussão em torno dos "Títulos" ou da escolha de uma epígrafe. Ambos acabam figurando, simultaneamente, dentro e fora do volume. Por exemplo, "Epígrafe?" nos fere com estilhaços líricos de "Leda and the Swan", de W. B. Yeats. Em outros poemas, título e versos se autodevoram, feito cão tentando morder a própria cauda. O título, sem nenhuma mediação, despenca sobre os versos; estes, por sua vez, são arremessados para o lugar do título. As palavras se alternam sem parar, presas num sistema de rolamentos, condenadas à imobilidade e ao movimento, como em "Avaliar": "Quem sou eu/ para". Só um olhar de extração mineira consegue que a aparente repetição responda também pelo estranhamento. Parece ser esse o principal objetivo de "Acontecimento": "Quando estou distraído no semáforo/ e me pedem esmola/ me acontece agradecer". Os títulos abandonados e a epígrafe deslocada refazem no âmbito lírico as mesmas operações de caráter ideológico: os cortes bruscos trazem à tona tudo o que está soterrado pela fala cotidiana. Em cenários relacionados à nossa experiência social - mesa de bar, hospital, presídio- reconhecemos todas as formas da brutalidade. Outro aspecto que merece comentário é a crescente presença de poemas em francês, espanhol ou inglês. "Negociação", incluído em "Festa" (1981), parecia um caso isolado. Mas torna a reincidir com "Con Buen Critério" em "O Corpo Fora" (1988), para se consolidar em "Elefante". Essa prática está longe de apontar para um mero domínio da língua estrangeira ou reforçar o estereótipo do poeta versado. Discretamente, indica que o ouvido do poeta pode decupar outras falas, que a matriz do seu registro possui alcance universal. Não mencionar a presença de Drummond seria um equívoco. Em "Elefante", 11 anos atrás, "Poema" já sinalizava para uma dissolução da questão da influência. Agora, "Quatro Contrafações" inspira convívio e respira comentário. Podemos falar em incorporação ao fatal lado esquerdo. Numa construção espelhada, versos do "Edifício São Borja", de "A Rosa do Povo", atuam como contraponto musical, andaime e notação. Por fim, é preciso dizer que neste novo livro de Chico Alvim alguns poemas estão impregnados de magnetismo, plenos de beleza e enigma. Seja a culpa que não dá descanso em "A Mão que Escreve": mão apócrifa, escravismo brabo, pelourinho estilizado. Seja o roteiro mitológico de "Ío": fornicações de Zeus, metamorfoseado em boi da mata mineira. Leitor, nem mesmo a imagem mais pura, nem a palavra mais impura, metro nenhum pode dar conta de "Agora". AUGUSTO MASSI é professor de literatura brasileira na USP O METRO NENHUM AUTOR Francisco Alvim EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 33 (96 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Coleções de poesia confirmam nova tendência editorial Próximo Texto: Raio-X: Franciso Alvim Índice | Comunicar Erros |
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